RICHARD WISSER, Verantwortung im Wandel der Zeit — Mainz, v. Hase & Koehler Verlag, 1967 — 234 págs

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

Richard Wisser, livre docente da Universidade Gutenberg em Mainz, Alemanha, realiza neste livro, que alcança atualmente excelente repercussão, um estudo sobre um tema que fere de perto a consciência e a existência do homem contemporâneo: a responsabilidade no pensamento de cinco grandes filósofos de nosso tempo — Karl Jaspers, Martin Buber, Carl-Friedrich Freiherr v. Weizsäcker, Romano Guardini e Martin Heidegger.

" Responsabilidade" é aqui analisada em suas diferentes dimensões e projetada na problemática concreta do momento. Sua dimensionalidade pode ser vista, segundo Wisser, sob dois aspectos. O primeiro refere a responsabilidade às próprias dimensões do tempo. É a responsabilidade pelo que ocorre, pelo que ocorreu e pelo que ocorrerá, responsabilidade ativa, que postula o justo e o verdadeiro, e incita ao cumprimento do dever. A responsabilidade que repousa neste postulado dominador do próprio tempo e de sua dimensionalidade, denomina Wisser " responsabilidade instancial". Ela postula sempre instâncias que se apoderam do tempo e não se destroem com sua passagem.

Essas instâncias são várias: família, sociedade, povo. Estado, consciência, Deus. E o papel e a duração de cada uma delas, a responsabilidade delineia e configura a ação, define expressamente como devemos atuar. Não levanta dúvidas, mas estabelece normas. É pressuposto essencial do Direito, igualmente da ética, da filosofia prática. É escatológica e chega sempre a uma instância última, que decide sem apelação.

A dimensionalidade da responsabilidade pode ser vista, de outro lado, em relação a si mesma. Distingue-se, assim, ao lado da responsabilidade instanciai, que Wisser denomina então "de primeiro grau", a "responsabilidade situacional" ou " de segundo grau", que não está dirigida ao claramente definido em instâncias, ao interpretado segundo normas seguras, mas ao incerto, ao que ainda não se configurou de modo inapelável, ao que não pode postular um conhecimento seguramente justo e verdadeiro, ao que não repousa em normas gerais. Na "responsabilidade instancial", o homem deve justificar-se perante uma instância geralmente conhecida e reconhecida. Na "responsabilidade situacional" ele se faz responsável mediante impulsos ditados pela existência e necessidade situacional, sem que nada lhe assegure, em " última instância", ser este o caminho justo e verdadeiro. A " responsabilidade situacional" possui neste sentido um risco radical: porque exige uma decisão exatamente quando faltara normas "clássicas", de aceitação geral, e não por petulância, mas por necessidade vital, pode-se incorrer na suspeita de preferir o caos à ordem, pois se move no terreno das decisões sem fundamento último de aceitação geral.

É sob o ponto de vista de suas dimensões inerentes que Wisser realiza o estudo da responsabilidade na obra dos cinco filósofos citados. Sobretudo porque, pensa ele, em um tempo de valores passados e de tradições empalidecidas, é necessário iluminar, a partir de todos os enfoques, a situação do homem atual. E Wisser procura esclarecer, segundo cinco modelos, as formas em que se configura, atualmente, a responsabilidade situacional: isto é, as formas em que se aceita a responsabilidade dentro de um campo que ainda não está estabilizado instancialmente por conhecimentos claros. O uso da palavra " modelo" tem aqui um peso especial, pois os "modelos" analisados não podem repetir-se com facilidade como instâncias, nem tampouco ser reproduzidos ou copiados. Mas, como tais, estimulam o 'homem atual a não aferrar-se às suas idéias tradicionais e a pensar sempre na segurança de manter-se desperto graças ao sentido da responsabilidade, da responsabilidade situacional.

Jaspers é, por exemplo, o pensador que se liberta das soluções absolutizadas, sejam da superstição científica que despreza os limites da própria ciência, sejam dos sistemas filosóficos totais ou dos dogmatismos religiosos. Com isso reconhece ele que o homem é sempre "mais" que suas próprias afirmativas, conquanto lhes apareçam como muito certas, quando ele as formula e as estabelece. Neste sentido interpreta Wisser a "filosofia política" de Jaspers, sua "abertura ao público" como consequência de uma responsabilidade que compreendeu que o destino da humanidade não deve ser deixado nas mãos de políticos que consideram a política como um "negócio de políticos", desligado da relação total das realidades humanas. Aqui destaca Wisser a dependência mútua, em Jaspers, das maneiras de pensar politica e filosófica: também a responsabilidade política deve nos conduzir ao reconhecimento da realidade e a tirar dela as consequências, sem perder de vista a verdade, mesmo quando o ardor do debate político nos ofusca e faz tremer o solo aos nossos pés.

A análise da responsabilidade situacional segue-se com o estudo sobre Martin Buber e a problemática do homem degradado em mero objeto; sobre Weizsäcker e a necessidade de complementação mútua entre a ciência, a filosofia, a política e a religião, sobretudo num mundo onde a ameaça atômica paira como uma sombra gigantesca; sobre Romano Guardini e a necessidade de se compreender o homem como um "ser em tensão", obrigado a interpretar ininterruptamente o mundo pelo qual é responsável direto; sobre Heidegger e a atitude humana perante a "técnica", a "ciência" e o "humanismo". Cada um destes cinco pensadores é um estímulo para o homem moderno, que, desconcertado diante do mundo, luta com as insuficiências das ideologias tradicionais e a incerteza das utopias doutrinárias.

Temos portanto, diante de nós, um livro que ultrapassa já os limites da mera análise interpretativa e se constitui, ele mesmo, num testemunho responsável, nos termos da responsabilidade situacional, uma busca do roteiro na incerteza dos caminhos.

Fonte: Revista Brasileira de Filosofia. Vol. XVIII, São Paulo: 1968, pp. 253-255.