RICHARD WISSER – Martin Heidegger im Gespräch – Edição: Verlag Karl Alber – Freiburg-München – 1970 – 80 páginas

Tercio Sampaio Ferraz Jr

 

Este pequeno e interessante livro documenta uma preciosa coleção de testemunhos sobre um dos maiores pensadores alemães deste século. Trata-se da palavra de homens como Carl-Friedrich von Weizäcker, Medard Boss, Karl Löwith, Karl Rachner e outros, pessoas que com ele conviveram, aceitando-o, refutando-o, ouvindo-o como colega ou como estudante, que sentiram a sua influência no pensamento moderno, nos diversos campos da cultura.

Mais do que isto, porém, o livro apresenta e reproduz uma entrevista concedida por Heidegger em setembro de 1969 na T.V. alemã, por ocasião do seu 80.° aniversário. Seu interlocutor, na oportunidade, foi o livre docente de filosofia da Universidade Gutenberg, de Mainz, Dr. Richard Wisser, que publicou recentemente um livro sobre a responsabilidade do mundo de hoje no ver de diversos autores, inclusive Heidegger.

Algumas questões fundamentais foram discutidas na entrevista, sendo reproduzidas com certas vantagens no texto impresso, que traz destarte a manifestação viva e autêntica das opiniões do grande pensador. Perguntado, por exemplo, se reconhecia uma tarefa social para a filosofia no panorama hodierno, respondeu Heidegger peremptoriamente: "Não!". Este "não", porém, não revela uma expressão afoita ditada por uma paixão momentânea. Menos ainda uma simples recusa do senso político que se faz hoje da filosofia, tão divulgado em nossa sociedade, e com o que se conquistam as massas ávidas de orientação ideológica muitas vezes mal fundamentada. Heidegger expõe seus motivos, apresentando suas razões.

A sociedade atual representa, sem que ela tome consciência disto, a absolutização da moderna subjetividade, a centralização de todos os problemas no "Herrsein" do homem. Uma filosofia como a de Heidegger, que indaga sobre o sentido do ser e sobre o homem, descobre as tendências subjetivas ali subrepticiamente presentes. Vem à luz, através disto, em que medida, de fato, o "mundo" dos práticos da onda de transformações é interpretado, consciente ou inconscientemente, mas não "suficientemente" interpretado. De Marx a Marcuse, muita coisa foi dita, que eventualmente pode ser válida, mas que joga dentro dos estreitos quadros de uma ideologia.

Heidegger, que sempre se recusou a aparecer na T.V. ou em programas radiofônicos, foi provocado por Richard Wisser inclusive como pensador, permitindo que transparecesse com toda clareza o curso do seu pensamento. Wisser, conhecendo-lhe a obra como conhecia, não se fez de rogado, propondo-lhe problemas e objeções sutis que tocam pontos nevrálgicos de sua filosofia.

Esta entrevista marca, sem dúvida, o presente livro, seguindo-se, então, a série de testemunhos, não apenas de alemães, mas também de austríacos, suíços, franceses, japoneses, ligados aos diferentes ramos do saber, quer das ciências humanas, quer das ciências da natureza, da filosofia, da teologia. Estes testemunhos revelam um interesse não só de caráter anedotístico, mas muitas vezes histórico-cultural, que trazem ao presente a obra e o homem.

Fonte: Revista Brasileira de Filosofia, vol. XXI, São Paulo: 1971, pp. 206-207.