Porto – arrendamento - cessão e prorrogação do contrato

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

Consulta
Consulta-me a Intermarítima Terminais Ltda., por intermédio de seu advogado, Dr. Sérgio Novais Dias. sobre as condições de pleno vigor de Contrato de Arrendamento celebrado com a Codeba em 9.3.90 (n. 13/ 90) por três empresas petroquímicas e cedido à consulente cm 27 de janeiro de 1994 com anuência da arrendante.

"A Intermarítima Terminais Ltda. e arrendatária de área do Porto de Salvador, decorrente de cessão contratual de Contraio de Arrendamento firmado em 9.3.90 (n. 13/ 90) entre a Codeba e três empresas Petroquímicas.

"O contrato 13/90 foi originalmente firmado, mediante aprovação da Diretoria da Codeba, pelo prazo de 10 (dez) anos, com prorrogação por mais 10 (dez)anos expressamente nele prevista. Além disso, previu-se a possibilidade de cessão do contrato.

"A cessão ocorreu em 27.1.94. com aprovação da Diretoria da Codeba.

"Em 18.2.94 foi prorrogado, por mais 10 (dez) anos. o prazo do Contrato de Arrendamento, mediante autorização da Diretoria da Codeba, firmando-se um termo aditivo que previu como termo final do contrato 13/90 o dia 9.3.2010 e não mais 9.3.2000.

"Assegurado esse prazo contratual, a Intermarítima realizou vultosos investimentos na área, dotando-se de todas as obras e equipamentos necessários à realização das atividades.

"Em 9.5.97 a Codeba publicou os extratos do Contrato de Arrendamento original n.13/90 e do instrumento de cessão contratual, deixando de publicar o extrato do termo-aditivo de prorrogação do prazo. A publicação desse extrato foi, por cautela, requerida recentemente, mas ale agora a Codeba não se manifestou.

"A Receita Federal alfandegou essa área publicando o Alo Declaratório 43 em favor de minha cliente, no DOU de 18.7.97, pelo prazo até 21.5.98.

"Esse exíguo prazo deveu-se, ao que parece, à equivocada interpretação que a Receita Federal estava conferindo aos arts. 42 e 43 da Lei 8.937, de 3.2.95. c/c o art. 3º do Decreto 1.912. de 21.5.96.

"Vale observar que o Ministério dos Transportes fez publicar na Portaria 8, de 3.1.97, na relação dos contratos de arrendamento celebrados antes da Lei 8.630, de 25.2.93, tanto o Contrato de Arrendamento original, como o termo aditivo de prorrogação para 9.3.2010, este último em nome da minha cliente.

"Contudo, no dia 20.5.98 o DOU publicou o Ato Declaratório 49, de 18.5.98, prorrogando o alfandegamento para até 9.3.2010 (mesmo prazo do Contrato de Arrendamento cedido e prorrogado) (cópia anexa). Essa prorrogação do alfandegamento teve fundamento em pareceres da Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ambos do V. conhecimento.

"A despeito dessa análise de validade c eficácia dos contratos realizada pelo Ministério dos Transportes e pela Receita Federal, a Codeba havia encomendado um parecer posicionando-se contra a validade da prorrogação do prazo do contrato constante do termo-aditivo assinado pela Codeba, aconselhando essa sociedade de economia mista a simplesmente anulá-lo.

"Consideramos que o Ato Declaralório 49/98 está correto porque válido o Contrato de Arrendamento cedido pelo prazo prorrogado até 9.3.2010.

"Em lace disto solicitamos um parecer jurídico que demonstre a correção do alo de prorrogação do alfandegamento, bem como a validade e eficácia do Contrato de Arrendamento 13/90, sua cessão para a Intermarítima e a prorrogação do prazo pelo termo-aditivo até 9.3.2010, este último apesar de não publicado o extrato do contrato, assim como a inviabilidade de a Codeba "anular" o termo-aditivo."

É nesse sentido que fazemos os quesitos seguintes:

1. É valido e eficaz o Contrato de Arrendamento 13/90 firmado entre a Codeba e as petroquímicas CPC. Polialden e Politeno, bem como sua cessão para a Interrmarítima?

2. É válido e eficaz o primeiro termo aditivo que prorrogou o prazo do Contrato de Arrendamento 13/90, mesmo tendo sido assinado muito antes do final do primeiro prazo de 10 (dez) anos e de não ler sido publicado um extrato do contrato?

3. É possível a diretoria da Codeba "anular", revogar ou rescindir, unilateralmente, o Contrato de Arrendamento, bem como a sua cessão à Intermarítima ou mesmo o termo-aditivo que prorrogou o prazo para 9.3.2010?

4. É perfeito o Ato Declaratório 49. de 18.5.98. do senhor Secretário da Receita Federal. que prorrogou o alfandegamento até 9.3.20107

5. Pode a Codeba abrir uma licitação para o arrendamento da área em questão antes de encerrado o prazo do Contrato de Arrendamento, assim considerado ate 9.3.2010?

Parecer

Dispõe o art. 175 da CF que 'incumbe ao Poder Público, na forma da lei. diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos". E seu parágrafo único determina que a lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias ou permissionárias, os direitos dos usuários, a política tarifária e a obrigação de manter serviço adequado.

Este texto fala obviamente de serviços públicos como aqueles que, por natureza jurídica, são estatais. No contraste com os serviços sujeitos à livre iniciativa e objeto dos arts. 173 e 174 da CF, são serviços que não obstante seu conteúdo económico estão submetidos ao regime público. Dentre estes mencionem-se os de exploração de portos marítimos, fluviais e lacustres (art. 21. XII. /da CF). Para bem entender-se este regime e natureza, diga-se que o Estado presta tais serviços diretamente ou por delegação a empresa estatal de serviços em termos de descentralização por personalização da entidade prestadora ou mediante autorização, concessão ou permissão que pode ser feita a uma entidade privada por meio de instrumentos de direito público. Neste sentido, no rigor da CF, a Administração escolhe discricionariamente se presta o serviço diretamente, se o delega a empresa estatal (pública ou de economia mista) ou se o concede (permite ou autoriza) a empresa privada. A exigência constitucional de licitação ocorre neste último caso (para a distinção entre delegação e concessão de serviço publico e de meridiana clareza a explicação de Celso António Bandeira de Mello. Prestação de serviços públicos e Administração Indireta, Ed, RT, 1987).

Conquanto semelhantes entre si a estatal a qual se delega o serviço público e a concessionária de serviço público, uma importante diferença entre ambas está em que àquela não se aplicam inteiramente os ditames do arl. 175 da CF, como as regras de reversão, a encampação, já que os serviços não lhe são outorgados por concessão mas por lei instituidora que lhe lixa o objeto (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo. 1993. p. 682). Por outro lado as regras para as concessionárias, determinadas em lei, referem-se, no caso da exploração dos portos, aos chamados portos organizados, construídos c aparelhados para atender às necessidades de navegação e de movimentação e armazenagem de mercadorias. Concedido é o porto (arl. 21. Xll.f da CF), enquanto uma unidade organizada. Diferente da concessão (e da delegação) do porto, isto é, da sua exploração como um todo, e a exploração de instalação portuária de uso público ou privativo, que é exploração de parte do objeto da concessão (e da delegação) e que pressupõe a prévia concessão (ou delegação). Havendo já a concessão (ou delegação) do lodo organizado, a relação de exploração de parte deste todo não se faz mais por concessão (ou delegação) que, por pressuposto, já abrangeu a totalidade. A relação que tem por objeto a exploração da parte do todo ocorre entre quem tem a concessão (ou delegação) do todo e o interessado em explorar-lhe parte. Esta relação não exige mais concessão, nos termos do art. 175 da CF, pois concessão já houve, do todo, e sendo a concessão intuitu personae, a relação entre o concessionário e o interessado em parte do objeto concedido não pode ser de novo concessão. Neste sentido Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, t. 2, pp. 132 e ss falava em exploração dos portos nacionais organizados pela União, quer diretamente quer a cargo de concessionárias ou por arrendatários sob fiscalização destas, Entende-se neste sentido que a Lei 8.630. de 25.2.93, que dispõe sobre o regime jurídico da exploração dos portos organizados das instalações portuárias, tenha distinguido entre a exploração de porto organizado, pela União, diretamente ou mediante concessão (art. 1º). do arrendamento de instalações portuárias quando dentro dos limites do porto organizado (arl. 4º. I).

Conquanto na legislação anterior (decreto-lei 5/66) se falasse em arrendamento de instalações portuárias. a doutrina manifestava dúvidas sobre sua natureza em lace das concessões.

Houve quem julgasse tratar-se, no caso de arrendamento de natureza pública, de uma forma de concessão, da chamada concessão de uso de bem público. Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo. 1976, p. 238) salientava que as Administrações faziam erroneamente o uso de locação de bens públicos em lugar de concessão remunerada de uso (nota 60) que, na verdade, seriam "locações" impróprias. Independentemente da questão de admitir-se a própria concessão como contrato ou como ato administrativo, mais correto parece-me distinguir entre o arrendamento do uso do domínio público patrimonial em termos de concessão de uso. de um lado. e exploração de frutos ou prestação de serviços inerentes ao bem público, caso em que se deve falar propriamente de arrendamento mediante condições especiais e sob fiscalização da autoridade (Maria Helena Diniz, Tratado teórico e Prático dos Contratos. São Paulo, 1993, v.V, pp 351 e ss.; no mesmo sentido Maria Sylvia Zanela Di Pietro, Direito Administrativo. São Paulo, 1994, p. 452). O uso do instituto do arrendamento para a exploração de instalações portuárias, deslarte, é perfeitamente legítimo, ainda que se reconhecesse a existência de bens patrimoniais públicos indisponíveis, bens de entidade pública destinados ao serviço público, que não são extra commercium, mas apenas inalienáveis, sendo passíveis, assim, de ser objeto de todos os direitos reais que não sejam incompatíveis com o seu destino Diez. Domínio Púiblico, Buenos Aires. 1940. p. 113, citando D'Alessio).

A utilização de institutos de direito privado pela Administração, como e o caso do arrendamento, e não só perfeitamente possível como também é uma exigência da realidade económica. O Poder Público não é uma entidade fora do universo económico nem nele atua necessariamente como um ser ex-traterreno. Por isso a CF trata do mercado num único artigo (arl. 173). disciplinando ao mesmo tempo, a aluação da empresa pública e da privada, bem como da concorrência e de seus abusos pelo poder económico. A exploração de bens e serviços que não se incluem entre os serviços públicos stricto sensu (arl. 175) exige uma equiparação básica entre a empresa pública e a privada no que tange ao regime legal. O arl. I73dad; c expresso neste sentido. A exploração do porto organizado ― serviço público ― exige, pois, concessão. Mas a exploração de instalações portuárias por agentes económicos privados já é negócio jurídico entre esses e o concessionário. Ora, quando uma empresa concessionária, como a Codeba. se dispõe a valer-se do instituto do arrendamento para viabilizar uma operação de compra de um terreno para a qual não tinha os recursos necessários, é de um instituto privado que se vale, sob o regime privado que o rege. O arrendatário recebe assim um consentimento para ocupar e explorar a coisa pública, o que depende de consensualização, diferentemente do concessionário que atua como se Estado fosse na prestação do serviço público.

Isto não exclui que, no arrendamento público, haja a necessidade de desvios que visam a adaptar o direito privado às peculiaridades da Administração, o que deve ocorrer por determinação legal e não por via de interpretações doutrinárias extensivistas e analogizantes. Não obstante, o foco fundamental é privado e não público (rf. Lucia Valle Figueiredo, Extinção dos contatos administrativos, São Paulo, 1986, p.15). Pensar doutro modo, mormente quando estamos no terreno do mercado de que fala o ar 173 da CF, é reverter o preceito constitucional não só pelo desequilíbrio nas relações de mercado, mas no cerceamento que se imporia à empresa pública em termos de sua viabilização económica. Parece de absoluto bom senso, neste sentido, a distinção proposta por Manuel Maria Diez (Derecho Administrativo, Buenos Aires, I969, II, p.456) entre contratos administrativos os c contratos civis da Administração com base no procedimento de gestão. Contrato administrativo consistiria então em uma declaração de vontade comum do órgão da Administração pública que atua pelo procedimento de gestão pública e de um particular, para regular relações jurídicas patrimoniais. Já o contrato civil da Administração consistiria naquela declaração comum de vontade de um órgão, atuando por um procedimento de gestão privada, e de um particular, também para regular relações patrimoniais. Neste sentido entende-se que uma concessão (de uso) tenha nitidamente a natureza pública posto que envolve procedimentos de gestão pública, como a precariedade ou revogabilidade, ainda que fundada em razões de interesse público e só referente à ocupação da propriedade pública, a prevalência do interesse do concessionário contra um terceiro que não pode invocar aquela precariedade em seu lavor, pela conferência ao concessionário de alguns poderes públicos ele. Já um arrendamento envolve obrigação do arrendante de proporcionar gozo da propriedade arrendada, de entrega-lo em condições a servir à finalidade a que se destina, de não embaraçar o seu uso, de assegurá-lo contra embaraços e turbações de terceiros etc.. (el. GalvãoTMcs, Arrendamento, Lisboa, 1944/45. p. 306), podendo-se dizer que. para a caracterização de um procedimento de gestão privada, o arrendamento confere ao arrendatário um direito de gozo que é exercido sem a mediação do senhorio (António dos Santos Lessa, Usufruto e Arrendamento. Coimbra. 1984, p. 48). Ou, como se pode ler, em suma, em Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direita Administrativo. São Paulo. 1994, p. 452). no arrendamento, como modalidade de locação, "o poder público transfere apenas o uso e gozo da coisa, enquanto na concessão pode haver transferência de poderes públicos ao concessionário, em especial nos casos em que a concessão de uso se apresenta como instrumento acessório da concessão de serviço público".

De arrendamento nestes termos falava seguramente o art. 21 do Decreto-lei 5/66. quando dispunha: "Poderão ser locados ou arrendados a seus usuários ou a outrem os terrenos, armazéns e outras instalações portuárias, tendo preferência na locação ou arrendamento a longo prazo, os que se dispuserem a investir para completar, expandir ou aparelhar as instalações, ressalvados os interesses da segurança nacional". Já a Lei 8.630/93. em seus arts 4º, 5º e 6º, introduziu importantes modificações no regime de arrendamento de instalações portuárias, revogando expressamente o Decreto-lei 5/66. Ao fazê-lo, aproxima o arrendamento da concessão de uso, mormente pela previsão expressa da reversão (art. 4º, § 6º). Mantém, contudo, a distinção fundamental em face da concessão, prevista esta para o porto organizado, como um todo, conforme a exigência constitucional. Pela importância das modificações introduzidas que, contudo, não desnaturam o arrendamento, o legislador cuida expressamente dos arrendamentos celebrados conforme a legislação anterior. O art. 48 da referida Lei legitima, ao reconhecer-lhes a validade, "os atuais contratos de exploração de terminais ou embarcadores de uso privativo", quando determina que sejam adaptados, em prazo de até 180 dias, às novas disposições, conferindo inclusive o direito aos seus titulares de optar entre qualquer das formas previstas em seu art. 4º, §2º, II. As duas determinações legais (adaptar e garantir direitos) só fazem sentido se os contratos anteriores, não importa se celebrados após processo licitatório, fossem considerados plenamente válidos e eficazes. O mesmo se deve dizer para o disposto no art. 56, parágrafo único, que determina a manutenção para "as atuais instalações portuárias de uso privativo" a atual proporção entre trabalhadores com vinculo empregatício e avulsos, em caráter permanente. Esta determinação pressupõe a validade e eficácia dos contratos a que se refere, obviamente pelo prazo e condições de prorrogação assinalados em suas cláusulas.

A adaptação, a opção por uma das formas e a manutenção referida são as únicas exigências do legislador. De resto e a contrario sensu os contratos anteriores devem ser respeitados integralmente. A adaptação, ressalvada a cláusula de reversão que decorre direta e textualmente da lei, assim passando a vigorar, deve ser procedida por meio de aditivos apenas quando e no que for necessário, nada obstando que antigas cláusulas contratuais sejam recebidas no sentido da lei nova, que passa a governar a sua interpretação. Ou seja, se os contratos antigos possuem cláusulas adequadas às novas exigências nada impede que, pelo prazo contratual, passem a beneficiar-se de todos os direitos e obrigações conferidos aos novos arrendamenlos. Inclusive no que se refere ao allandegamento, para o que a Lei 8.630/93 remete apenas ao cumprimento dos requisitos exigidos por sua legislação específica(art. 36, § 1º).

Esta posição do legislador não é isolada. A maioria senão todos os contratos de arrendamento de instalações portuárias celebrados antes da Lei 8.630/93 não foram precedidos de licitação. Antes mesmo de lhes serem reconhecida a validade por essa lei, há de se observar que o Decreto-lei 5/66, no seu art. 27, era omisso a respeito. E o Decreto 59.832/66, que o regulamentou, previu que, nos casos de arrendamento "por entidades públicas" fossem obedecidas "as normas legais e regulamentares referentes à concorrência, contratação e demais formalidades inerentes às obrigações daquelas entidades" (art. 113). A época, porém, em que se celebrou o Contrato de Arrendamento 13/90, a "Norma de Contratação" da Codeba não previa licitação, entre outros, para arrendamento de bem imóvel da empresa. E o Decreto-lci 2.300/86, no seu art. 1º, exigia licitação para contratos administrativos, mas nada falava de arrendamentos. Uma suposta assimilação do arrendamento a uma concessão de uso era uma posição doutrinária, mas contra ela havia e há autores de peso a sustentar o contrário. Por esta razão e entendendo que havia uma conveniência em se estender a todos os contratos públicos o regime licilalório, o Tribunal de Contas da União recomendou à Codeba, em 12.6.90. a competente adaptação dos procedimentos, o que ocorreu em 20.8.90, após. portanto, a celebração do referido contraio. Esta situação, que era comum, fez, aliás, com que o TCU viesse a relevar a exigência de licitação para casos de arrendamentos ou locações ocorridos antes de sua recomendação (TC-575.398/89-2), como aconteceu em caso específico da Companhia Docas do Ceará (Processo TC-275.184/91-9). Aliás, com muita coerência, o TCU, no Processo TC-374.047/91-0, alertava a Companhia Docas do Maranhão sobre a obrigatoriedade de licitação e sua formalização mas apenas para novos contratos de arrendamento ou para contratos originais que não previssem prorrogações, garantindo-se, destarte, para estes o direito de serem prorrogados nas condições contratuais. Não é de se estranhar, pois, que a prática empresarial, até por força da omissão das normas de contratação das empresas da área, entendesse a disposição do Decreto 59.832/66 como não aplicável, e que a lei 8.630/93, de alguma forma e ao encontro da posição do TCU, viesse a legitimar os contratos de arrendamento celebrados antes de sua entrada em vigor, ao reconhecer-lhes a validade.

O contrato 13/90, celebrado entre a Codeba e três empresas petroquímicas e cedido, com base em previsão contratual, à consulenle. é Contrato de Arrendamento, firmado sob o Decreto-lei 5/66 e sob o Decreto 59.832/66. conforme a Norma de Contratação da Codeba. Não foi, assim, precedido de licitação, aliás como todos os contratos deste género celebrados por concessionárias de portos antes do advento da lei 8.630/93. E. por tratar-se de arrendamento, e não de concessão, não se submetia à exigência do art. 175 da CF. Totalmente equivocada, neste sentido, a sua submissão ao preceituado pelos arts. 42 e 43 da lei8.987/95, que se relerem a Concessões, entre ela as com prazo indeterminado e as em caráter precário, disciplinando-lhes o prazo de validade em face da exigência constitucional do art. 175 da CF. Destarte, o Decreto 1.912/96. que se refere ao alfandegamenlo de portos organizados, instalações portuárias de uso público, de uso privativo localizadas dentro e fora do porto organizado (Lei 8.630/93), é totalmente ilegal e inconstitucional. Este Decreto estabeleceu (arl. 3º), para os contratos de arrendamento de instalações portuárias de uso público, firmados antes da vigência da Lei 8.630/93, um prazo de validade de 24 meses, a contar de sua publicação, para que se procedesse a licitação prevista por aquela lei, prorrogável por mais três anos caso a licitação, justificadamente, não pudesse ler sido realizada. Pois esta exigência faz, retroagir o dispositivo legal da Lei 8.630/93 referente a arrendamento celebrado sob a égide de lei anterior, ato jurídico perfeito e acabado, que não se confunde com a exigência constitucional prevista no art. 175 da CF. referente a concessões. Ademais regulamenta equivocadamente o dispositivo legal, fazendo-o contra a previsão da própria lei 8.630/93. que reconhece a validade, em seu art. 48, dos contratos de arrendamento então em vigor, sem nenhuma ressalva quanto a prazos e prorrogações, até garantindo aos titulares um direito de opção.

Ato jurídico perfeito e acabado e proteção constitucional da incidência de normas de conduta. Normas incidem sobre a realidade, doam-lhe sentido e atuam sobre ela no tempo e no espaço. Incidência significa a configuração atual de situações subjelivas e produção de efeitos em sucessão. A incidência - configuração atual - de uma norma de competência configura alualmente a titularidade de uma situação jurídica subjetiva, direito adquirido. O exercício do direito conforme normas de conduta significa a incidência destas. A incidência de norma de conduta configura o ato jurídico perfeito e acabado, que não se confunde com ato consumado, pois é apenas ato conformado de acordo com a lei vigente à época (cf. nosso Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, 1994. pp. 249 e ss.).

O respeito a prazo contratualmente estabelecido faz parte da proleção do ato jurídico perfeito e acabado. O princípio do pacta sunt servanda vale também para os contratos administrativos; a Administração não só deve levar a cabo o cumprimento de suas obrigações, mas deve também abster-se, de maneira geral, de adotar medidas que estejam em contradição com este fim: as prestações devem ser executadas dentro dos prazos acordados (Héclor Jorge Escola. Tratado Integral de los Contratos Administrativos. Buenos Aires. 1977. v. I. pp. 442 e ss). Dentro deste quadro jurídico tem especial importância o direito do concessionário como do arrendatário de instalações de uso público de levar a cabo a exploração do serviço dentro do que disponha o contrato e no prazo fixado(Bielsa, Derecho Administrativo, Buenos Aires. 1947,t,1, p. 406; Waline. Droit Administratif. Paris. 1961, pp, 715 e ss.). O essencial é que o serviço se cumpra, salvo quando razõcs de interesse público exijam o contrário, isto é, exijam que o serviço não se cumpiu. A discricionariedade da alteração contratual por parle da Adininistração tem, pois, limites (Escola, ob. Cit., v.II, pp. 112, 154). Ora, o Contrato de Arrendamento firmado no contexto da legislação vigente em 1990 nada tinha de ilegal, consumando-se pela vontade expressa das partes. Ainda que se admitisse que arrendamento concessão de uso se confundissem e que se aplicasse ao arrendamento de instalações portuárias de uso público a dupla estrutural de que se fala no caso das concessões, sub-metidas a normas regulamentares e normas propriamente contratuais, dentre estas as referentes à duração, ter-se-ia que se admitir igualmente, como diz Miguel Reale, referindo-se às concessões, que as regras contratuais "não podem ser alteradas ao talante do órgão concedenle" (Direito Administrativo. Rio de Janeiro-São Paulo. 1966. p. 51).

Ora, no caso em tela, o próprio Ministério dos Transportes fez publicar na Portaria 8/97 uma relação de contratos celebrados antes da Lei 8.630/93, da qual consta o Contrato de Arrendamento 13/90, cedido à consulente, bem como o termo aditivo de prorrogação para 9.3.2010, o que pode ser tomado como manilestação inequívoca do interesse da Administração. Faz pleno sentido jurídico, portanto, que a Receita Federal viesse a prorrogar o alfandegamento da área, posto que a Lei 8.630/93 respeitou o disposto contratualmente nos arrendamentos anteriores à sua vigência, reconhecendo como inaplicável uma disposição que considerava aqueles contratos como tendo seu prazo alterado por um Decreto (1.912/96) e muito menos com base num artigo de lei (art. 43 da lei 8.937/95) que fala de concessão e não de arrendamento, não lhe dando esta norma legal nenhum suporte, muito menos à CF, art. 175, que apenas se aplica a concessões.

Tratando-se de contrato válido, como tal reconhecido pela lei, ele o é nos termos e condições em que foi celebrado, isto é., como Contrato de Arrendamento não precedido de licitação nem a ela sujeito. inaplicável a ele, descarte, o § 1º do art. 61 da lei 8.666/93, que exigiu a publicação resumida do seu instrumento ou de seus aditamentos, como sua condição de eficácia, mas que se refere a contratos firmados em decorrência de processo licitatório. Da forma como foram celebrados, contratos daquele género são válidos e eficazes a partir da data de sua assinatura e sua publicidade diz respeito apenas á eficácia contra terceiros, não entre as partes. Perfeita, neste sentido, a Portaria 08 de 30.1.97, da Secretaria de Transportes Aquaviários, que relacionou o Contrato 13/90 dentre os celebrados antes da entrada em vigor da Lei 8.630/93, inclusive com menção à cessão ocorrida e à prorrogação até 2010. Afinal, o contrato era plenamente válido e eficaz quando foi cedido e a prorrogação ao prazo em nada contrariava as exigências de adaptação da Lei 8.630/93. A cláusula segunda, no seu parágrafo primeiro, autorizava a prorrogação e no prazo em que foi prorrogado, apenas exigindo que a proposta do arrendatário ocorresse 60 dias antes do prazo contratual. Pode-se entender que, tendo ocorrido a cessão e avaliada a necessidade de prazo para a execução de obras por parle do cessionário, a Codeba tivesse levado em conta o seu interesse em garantir o tempo adequado para o perfeito cumprimento dos objetivos do arrendamento, tendo em vista as condições de falo no momento em que ocorria a cessão. Esta avaliação, que só poderia ser feita no momento em que se decidiu pela cessão, olhando-se prospectivamente o prazo ainda restante e a necessidade de mais prazo para o cessionário, cumpria a exigência contratual de que fosse feita pela Codeba (e não por uma certa diretoria da Codcba, o que contundiria a pessoa jurídica com as pessoas físicas à testa de sua direção em determinado momento).

Em lace do exposto passo a responder os quesitos formulados.

Primeiro Quesito

Entendo que o referido contrato está em pleno vigor, sendo válido e eficaz pelos motivos apresentados. Assim o reconhece a Lei 8.460/93, no seu art. 48 e assim já se posicionara o TCU a respeito de arrendamento deste género. Estando em pleno vigor e sendo válido e eficaz as condições pactuadas devem ser respeitadas em nome do princípio do ato jurídico perfeito, constituindo os direitos daí decorrentes direitos adquiridos. Neste precípuo sentido é válida e eficaz a cessão ocorrida para a consulente.

Segundo Quesito

Pelo prazo acordado, prorrogado por força de dispositivo contratual, o contrato tem vigência até o ano 2010. Entendo que a prorrogação, ocorrida por ocasião da cessão do contraio, teve o sentido de produzir o seu efeito quando da ocorrência do fim do prazo de dez anos, isto é, embora acordada cm 1994, só produz seus efeitos a partir de 9.3.2000, por mais dez anos. O expediente não contraria, assim, a vontade das partes de que o contrato poderia ter prorrogado seu prazo findo o prazo antes estipulado (cláusula segunda), mormente porque previsto no parágrafo segundo da cláusula uma antecedência mínima de 60 dias do termino do prazo estipulado. Nada obsta que a Codeba tivesse avaliado, no momento em que anuiu a cessão, o interesse da empresa em conceder prazo suficiente ao cessionário para a consecução das obras previstas e, computando o prazo ainda restante, tivesse eu tendido ser adequada uma prorrogação, a contar do final do prazo original. Em termos de gestão empresarial e nos quadros de possibilidade contratual e legal, a prorrogação obedece a lógica de uma boa administração. A ausência de publicação de um extrato, pelas condições de validadc e eficácia deste Contrato de Arrendamento não sujeito a licitação, em nada afeta a produção dos efeitos desejados. Volte-se a lembrar a propósito a decisão do TCU que, com prudência e acerto, exigia o respeito aos contratos em vigor, inclusive quanto ao dispositivo contratual que autoriza sua sua prorrogação.

Terceiro Quesito

A anulação do contrato bem como de sua cessão e prorrogação não faz nenhum sentido, posto que se trata de ato juridicamente perfeito. A possibilidade de sua rescisão unilateral estaria limitada à demonstração de que a execução do arrendamento, das obras e serviços objetivados, contraria o interesse público. Ou, como diria Miguel Reale, não pode a Administração alterar ou rescindir, a seu talante, aquilo que pactuou em nome do interesse público.

Quarto quesito

Sim, consoante até os pareceres do Ministério dos Transportes e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional que tão adequadamente analisam a questão, é perfeito o Ato Declaratório 49, de 18.5.98. do senhor Secretário da Receita Federal. Pelo exposto anteriormente, a Lei 8.630/93 reconhece a validade dos contratos celebrados antes de sua vigência e confere a eles a possibilidade de alfandegamento respeitadas as condições específicas por lei exigidas para ele. O Decreto 1.912/96 é, como demonstrei, ilegal c inconstitucional, devendo ser desprezado.

Quinto quesito

Não, a Codcba tem de respeitar o ato jurídico perfeito e acabado, não podendo licitar o arrendamento senão findo o prazo acordado e prorrogado até o ano 2010.

E este o meu parecer, s.m.j.

São Paulo. 31 de maio de 1998

Fonte: Revista Trimestral de Direito Público, n. 26/1999, Malheiros, São Paulo: 1999, pp. 144/152.

Texto digitado e organizado por: Luis Fernando Santos das Neves.