Lei Geral de Telecomunicações e a Regulação dos Mercados

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

 

O tema que pretendo abordar diz respeito à regulação de mercados na Lei Geral de Telecomunicações (Lei na 9.472/97, doravante citada pela sigla LCT. O assunto refere-se ao modo como naquela lei se regula a proteção à ordem econômica, tendo em vista, especialmente, a relação entre o mercado de telecomunicações e os chamados mercados adjacentes, em particular, o mercado de listas telefônicas.

O art. 7º da LGT é expresso, ao dispor que:

As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando não confíitarem com o disposto nesta Lei.

Decisões empresariais fundamentais, do ponto de vista do direito concorrencial, são as referentes ao controle da entrada e da saída de empresas de um mercado (donde o risco de dominação, eliminação de concorrência) e ao preço por elas exigidos (donde o risco de aumento arbitrário de lucros, abuso de posição dominante). A Constituição Federal não prevê nenhuma imunidade expressa nem de agentes nem de mercados à aplicação da lei de defesa da concorrência. Assim, a mencionada exceção ("...quando não conflitarem..."), referida, na verdade, a conflitos entre a lei geral e a lei específica, reporta-se antes a condições especiais de acesso ao mercado por parte das prestadoras de serviço de telecomunicações, submetidas a processo licitatório e remuneradas por meio de tarifas. Não se reportam, pois, a isenções, mas a aplicações que exigem cuidado mais apropriado às especificidades do mercado.

Não é outra, aliás, a orientação em sede de direito comparado. Nos Estados Unidos, a jurisprudência admite a aplicação integral do direito concorrencial tanto ao mercado de telecomunicações quanto a mercados adjacentes, como o de listas telefônicas (cf. KELLOGG, THORNE, HUBER: Federal Telecommunications Law, Boston, Toronto, London, 1992, p. 146 ss.).

O mercado de telefonia comporta as peculiaridades dos chamados monopólios naturais (cf. CALIXTO SALOMÃO FILHO: Direito Concorrencial - as estruturas, São Paulo, 1998, p. 191 ss.). Caracterizados por situações em que a plena competitividade ou é inviável ou é ruinosa, mostram, entre outros fatores, a forte prevalência de custos fixos sobre os variáveis, com a exigência de altas economias de escala e uma grande proporção de custos irrecuperáveis (sunk costs). Neles a entrada de novos competidores ou é proibitiva ou tem de ser regulada por mecanismos próprios. Assim, na telefonia, o serviço só interessa se todos os consumidores se utilizam do mesmo sistema. Isto torna, em tese, extremamente difícil a entrada de novos concorrentes. Daí a regulação prévia, a divisão de mercados em áreas, a obrigatoriedade do acesso a redes, a formação de duopólios, a especial regulamentação com os mercados adjacentes etc.

Portanto, as limitações impostas pela exigência de licitação, por exemplo, se, de um lado, garantem às prestadoras de serviço, no seu mercado relevante, a competitividade no acesso e no exercício da atividade, acabam, contudo, por conferir-lhes, de outro, privilégios próprios de ostensiva posição dominante no que se refere aos seus mercados adjacentes (seus fornecedores, fornecedores que dependem de insumos por elas detidos). Entende-se, por conseguinte, a pontual preocupação do legislador em caracterizar como infração à ordem econômica a adoção, por parte das prestadoras, de “práticas que possam limitar, falsear ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência e a livre iniciativa” de modo muito específico quando aquelas venham a celebrar contratos de fornecimento de bens e serviços” (art.7º §3º da LGT).

Chama a atenção esta preocupação de caracterizar como infração qualquer prática que produza os efeitos anticoncorrenciais (eliminar, falsear, prejudicar a livre concorrência) na celebração de contratos de fornecimento de bem e serviços. A preocupação aqui não é, propriamente, com relações de consumo (protegidas por lei própria, além de dispositivos específicos na LGT), mas com relações concorrenciais nos mercados adjacentes. Afinal, as prestadoras de serviços de telecomunicações, por sua condição privilegiada, detêm bens e serviços com grau tal de exclusividade que, ao fornecê-los para os que deles necessitam para o exercício da livre iniciativa em outros mercados, assumem uma ostensiva posição dominante: não precisam guiar-se pelo comportamento de concorrentes, sendo que os demandantes de tais bens e serviços estão a elas inevitavelmente jungidos. Ora, sua independência, como fornecedora de insumos, na verdade total autonomia em face de quaisquer concorrentes em seu próprio mercado, e sua condição de parceiro obrigatório em face de demandantes de insumos em mercados adjacentes garantem-lhes uma tal posição dominante que cuidou o legislador de impor-lhes especial atenção para qualquer prática minimamente restritiva de conduta quando da celebração de contraatos de fornecimento de bens e serviços para tais mercados adjacentes.

Esta situação peculiar das prestadoras de serviços em termos de ostensiva posição dominante ou de monopólio natural é bem conhecida e largamente discutida e regulada na legislação comparada. Nos Estados Unidos, o Sherman Antitrust Act, promulga-o quase uma década depois da invenção do telefone por GRAMAM BELL, conquistou bem a propósito de sua progressiva disseminação um extraordinário processo de modelação às peculiaridades do serviço. O resultado de uma dessas modelações é a essential facilities doctrine.

Esta doutrina requer de uma empresa ocupando posição monopolística ou posição dominante (sobre esta diferença, cf. M. CLAIS E P. LAURENT: Traité d'économie et de troit de Ia concurrence, Paris, 1983, p. 263 ss.) em seu próprio mercado, que ela aja de modo equitativo (não discriminatório) com relação a empresas que concorram em mercados adjacentes e que dela dependem para a obtenção de insumos essenciais (CF. MICHAEL K. KELLOGG., IOHN THORNE, PETER W. HUBER: Federal Telecommunications Law, Boston, Toronto, London, 1992, p. 139 ss.). A preocupação é com a possibilidade de que um monopólio ou um duopólio ou uma posição dominante, em um mercado relevante, se estenda a outro mercado ou que, presente em um estágio de produção, alcance outro.

Originalmente, a doutrina nasceu em uma decisão de 1912 da Suprema Corte norte americana e que se referia à posição de proprietários de uma empresa de transportes ferroviários. Quatro fatores foram então qualificados na caracterização da responsabilidade por danos à concorrência em termos da essential facilities doctrine:

a) o controle de isumo, essencial no mercado fornecido, por um monopolista ou duopolista ou detentor de posição dominante no mercado fornecedor.

b) a incapacidade de um competidor no mercado fornecedor, praticamente ou razoavelmente, de duplicar o insumo essencial;

c) a eventual negação ou imposição de dificuldades de uso do insumo essencial a um competidor no mercado fornecido pelo fornecedor; e

d) a factibilidade de se prover o insumo.

O primeiro fator refere-se, em primeiro lugar, à essencialidade do insumo. A doutrina considera essencial o insumo se ele é vital para a viabilidade da concorrência em outro mercado e se os concorrentes neste não podem efetivamente competir sem acesso a ele (cf. ABA Section of Antitrust Law, Antitrust Law Developments, 4a ed. 1997, p. 277). O insumo não precisa ser indispensável: basta que seu controle carregue consigo o poder de eliminar concorrência no mercado adjacente (v. na mesma página, a nota 288). O insumo pode ser tanto um bem tangível quanto intangível. Assim, por exemplo, numa disputa sobre o fornecimento de informações sobre negociantes, tipos de negócio, com a finalidade de elaborar lista telefônica de classificados, a Corte, nos Estados Unidos, considerou essenciais aqueles insumos, conquanto se tratasse de trademark e copyright (p. 279). Em segundo lugar, refere-se o fator à condição monopolista ou de posição dominante do fornecedor. Não é preciso que o fornecedor possa ou queira tornar-se um monopolista ou conquistar posição dominante no mercado adjacente. Basta que consiga, nesse mercado, uma posição de vantagem (resultante, na verdade, de sua posição monopolista ou dominante no primeiro mercado).

O segundo fator significa, na verdade, que o demandante do insumo não tem como, em absoluto, ou não tem como, sem enormes custos, obter o insumo que lhe é essencial. A doutrina aponta, assim, para a circunstância de que os competidores, entrantes potenciais em um mercado adjacente, não podem ser obrigados a entrar em dois mercados simultaneamente (o fornecedor e o adjacente) apenas para obter um importante insumo. De qualquer modo, para a doutrina, basta comprovar que outro modo de aquisição do insumo é destituído de razoabilidade econômica.

O terceiro fator não se reduz à uma simples recusa ou ameaça de recusa de fornecimento. Não é preciso que a recusa seja ostensiva. A recusa pode ser por dificuldades no efetivo fornecimento. Ocorre, por exemplo, quando o fornecedor altera de modo não razoável o insumo (ou suas condições de utilização) ou aumenta-lhe o valor de tal modo que torne impraticável, ou excessivamente custoso, o acesso a ele. A razoabilidade deste valor depende, segundo a doutrina, do contexto mercadológico.

O quarto fator, a factibilidade, é uma questão de fato. Por isso, as cortes americanas procuram determiná-la de caso para caso, dentro de um contexto próprio. O importante é que fique caracterizada a possibilidade do fornecimento, seja por razões técnicas ou quaisquer outras, deixando ostensiva a irrazoabilidade da alegação de eventuais dificuldades no modo, no tempo, na quantidade etc.

Um dos campos de aplicação mais importantes da essential facilities doctrine nos Estados Unidos é, justamente, o setor de publicações de listas telefônicas. Lá ela não tem um estatuto legal, mas, não obstante divergências jurisprudenciais, há julgados importantes que a aplicam ao setor. Alguns, por exemplo, reconhecem que uma relação de assinantes, com a ordem alfabética de subscritores de linhas, é um insumo essencial inerente ao serviço oferecido pela prestadora (a companhia telefônica), já pela simples razão de que ela deve ser atualizada, o que cria inevitável dependência em relação à prestadora - cf. Direct Media Corporation v. Camden Telephone and Iegraph Company, Inc., and TDS Telecom. Inc, dezembro de 1992; ver também American Jurisprudence, second edition, volume 74 (1974) current through April 1999, Uragraph 32 – Telephone Directories). Por essa condição de insumo essencial, nos regulamentos, de um lado, os requisitos para sua publicação pela própria prestadora aparecem sempre conectados com as correspondentes tarifas telefônicas. Por outro lado, responsáveis que ficam sendo as prestadoras pelo levantamento de nomes e sua organização em listas, a prática jurisprudencial americana observou que, desde cedo, elas procuravam eliminar competidores no lucrativo mercado adjacente de anúncios nas páginas amarelas (yellow pages advertising), alegando tratar-se de copyright. Após larga discussão e vários julgados, para obviar o problema, em 1976, por isso mesmo, promulgar o Copyright Act, o Congresso americano acabou por definir a questão, limitando temporalmente o privilégio autoral, bem como o escopo de sua proteção). No caso das listas, as cortes entenderam, então, que a divulgação, o cruzamento de formações por meio de listas com anúncios classificados protegia o interesse do consumidor, não podendo o direito de divulgação por terceiros (editoras) ser excepcionado, sob alegação de direito autoral. A relação de assinantes foi, assim, considerada objeto de interesse público e não propriedade intelectual e tornada objeto de livre exploração econômica.

No Brasil, recém saído de um mercado rigidamente regulado e monopolizado, a essential facilities doctrine está, sem dúvida, refletida em importantes dispositivos da LGT, sobretudo em vista de que a concessão da exploração do serviço de telecomunicações se dá no regime público, e, em especial, no que se refere ao fornecimento de insumos essenciais ao mercado adjacente.

Em primeiro lugar, cuida o legislador de delimitar rigorosamente o âmbito de atuação da prestadora de serviços de telecomunicações, tendo em vista sua peculiar posição em áreas previamente determinadas. Considerando-se o primeiro dos fatores da essential facilities doctrine, observe-se, então, que o legislador brasileiro preocupa-se em circunscrever e definir, normativamente, as condições de um agente que atua num mercado que tem as características de um monopólio natural, no sentido técnico da expressão, como supra esclarecido. Assim, a concessão exige que a empresa outorgada seja criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão (LGT, art. 86). Esta restrição manifesta o cuidado com o poder de mercado do agente econômico e procura prevenir as suas eventuais extensões.

A concessionária é obrigada, além disso, por força da concessão e de sua remuneração por via tarifária, a fornecer gratuitamente aos assinantes a correspondente lista (LCT art. 96). Esta lista, no entanto, contém uma relação que constitui um insumo essencial para o negócio de divulgação que é considerado livre a qualquer interessado, por qualquer meio (LCT art. 213), o que obriga a prestadora de serviços a fornecê-la em prazos e preços razoáveis (LGT, art. 213, par. 1º). Também neste passo observa-se um reflexo da essential facilities doctrine. Três de seus fatores entram aqui em consideração. Um, no reconhecimento prévio da relação de assinantes como insumo essencial para o mercado adjacente do negócio de divulgação, por estrutura, livre. Dois, na eventual possibilidade de recusa de fornecimento do insumo ou imposição de dificuldades para fazê-lo, o que se regulamenta, preventivamente, com a obrigação de sua cessão (proibição da recusa) e com a obrigação de respeitar a razoabilidade dos preços e prazos (proibição de criar dificuldades). E três no reconhecimento da impossibilidade prática de o insumo ser produzido no mercado adjacente.

Quanto à factibilidade de fornecimento do insumo, o legislador, ao estabelecer a obrigatoriedade de a prestadora fornecer listas telefônicas aos assinantes (LCT, art. 213, § 2º), torna aquela factibilidade, enquanto fator sujeito a prova na essential facilities doctrine, uma presunção juris et de jure: o fornecimento é, por presunção legal, declarado factível.

Observa-se, destarte, que o legislador brasileiro optou, na regulamentação do serviço, por disciplinar a atribuição de concessão à prestadora de forma rigorosamente distinta do negócio de divulgação de listas, marcando normativamente a presença dela no mercado de telecomunicações (sujeito a regime público), apartando-a, como agente, do mercado adjacente do negócio de listas classificadas de assinantes. Fê-lo, porém, sem deixar de estabelecer, para efeitos concorrenciais, as obrigações da prestadora em relação a qualquer interessado no negócio do mercado adjacente. Ou seja, a concessão para a exploração do serviço, objeto de licitação, confere à concessionária privilégios estritos, em homenagem às condições especiais do mercado. Estas condições exigem divisão, tarifa, redução do número de competidores etc. Por isso, a prestadora tem de ser empresa criada exclusivamente para a exploração do serviço de telecomunicações. Ou seja, o mercado relevante de serviço de telecomunicações é mercado sob regime público (concessão) que, por condições privilegiadas conferidas ao concessionário, não admite sua extensão a mercados adjacentes. Já o serviço de divulgação de listas, ao contrário, é inteiramente submetido à livre concorrência e à livre iniciativa. Em relação ao interesse do consumidor (o assinante), a lista faz parte do serviço prestado pela concessionária, não podendo, porém, ser remunerada separadamente das tarifas cobradas. Não obstante, sua divulgação como negócio lucrativo, por meio de anúncios, é considerada pelo legislador um outro mercado relevante, fora do regime público.

A lei (LGT), assim, cuidou de marcar a distinção entre o mercado relevante de telecomunicações, submetido ao regime público, e o mercado relevante adjacente, de divulgação mediante anúncios, de listas de assinantes, este sob regime de liberdade. E entendeu que a concessionária, pelos privilégios concorrenciais que passa a deter no regime público, deve restringir-se ao seu mercado relevante. Esta peculiar situação no seu mercado, por sua vez, obriga o legislador a impor-lhe obrigações no mercado adjacente, posto que ela é detentora de um insumo essencial.

Regulando normativamente, nos quadros de sua competência, estes dispositivos, a ANATEL, pela Resolução nº 66, de 9 de novembro de 1998, disciplinou a divulgação de listas de assinantes.

Em primeiro lugar e em consonância com a distinção dos mencionados mercados, distingue a Lista Telefônica Obrigatória e Gratuita (LTGO), parte do mercado relevante dos serviços de telecomunicação sob regime público, da divulgação por qualquer meio de listas de assinantes do Serviço Telefônico Fixo Comutado. A primeira é obrigação da concessionária, que deve divulgá-la gratuitamente. A segunda, a lista de assinantes do STFC, conjunto de informações contendo, no mínimo, a relação de assinantes, é submetida ao livre interesse de qualquer pessoa, física ou jurídica, em fazer-lhe a divulgação. Esta pode ser explorada economicamente.

A Resolução, em vista da condição da posição dominante da concessionária, disciplina com precisão que a prestadora pode divulgar listas de assinantes, desde que cumpra a sua obrigação de editar a LTOG (art. 27). Mas lhe impõe uma importante restrição. Ela não pode concorrer no mercado adjacente, isto é, no mercado de listas de assinantes remuneradas por meio de anúncios qualificados ou por sua comercialização mediante venda ao usuário etc.

Diz assim o art. 28 da Resolução nº 66/98:

Art. 28. É vedada à Concessionária ou Permissionária a exploração econômica direta de listas de assinantes.

Note-se que na expressão exploração econômica direta, direta é um adjetivo que modifica o substantivo exploração (econômica). O adjetivo direta, assim, refere-se à forma de exploração econômica do produto, não ao agente produtor. Se a referência fosse ao agente, teria sido dito explorar diretamente. A expressão, portanto, designa a forma de exploração, especificadamente, o modo de remuneração pela divulgação das listas.

O artigo 28 tem de ser lido, assim, em conjunto com o anterior, de número 27. Este autoriza a concessionária ou permissionária a divulgar lista de assinantes pelo meio que julgar conveniente. Esta divulgação, como objeto de exploração econômica, porém, só pode ser remunerada indiretamente, isto é, por meio do valor cobrado na tarifa. Ou seja, pelo valor cobrado na tarifa telefônica que remunera o serviço de telefonia, fixada pela ANATEL ou pela própria Prestadora, quando em regime de liberdade tarifária (LGT art. 103, 104), devendo-se entender que o valor da prestação do serviço já inclui a divulgação da lista, (independentemente da LTOG, que é fornecida gratuitamente).

Em suma, explorar economicamente de modo direto um produto é torná-lo rentável por ele mesmo. No caso de listas de assinantes a exploração direta ocorre se elas carregam anúncios ou se são vendidas aos assinantes. Isto é exploração econômica direta. E isto é vedado às prestadoras pela Resolução e coerente com a essential facilities doctrine refletida na lei (LGT). Aliás, na jurisprudência norte americana, há julgados que entendem ser uma lista de assinantes feita pela Prestadora de serviços de telefonia parte do contrato com o usuário, estando o preço incluído na tarifa. Este serviço (de divulgação de lista), remunerado pela própria tarifa, é considerado serviço indireto e apenas nessa forma admitido pois só assim não provoca a extensão do monopólio, vedada pela essential facilities doctrine (cf. Citizens Telephone Company v. Tel Service Company, decisão de março de 1963).

Esta vedação, ademais, não se reporta apenas à empresa prestadora do serviço de telecomunicação, mas se estende a todo o grupo econômico. A propósito, o art. 17 da Lei n" 8.884/94 que, como já esclarecido, se aplica ao mercado de telecomunicações, disciplina:

Art. 17. Serão solidariamente responsáveis as empresas ou entidades integrantes do grupo econômico, de fato ou de direito, que praticarem infração da ordem econômica. (grifei)

Interpretando o princípio contido nesse dispositivo, o CADE já marcou posição jurisprudencial que entende válida para todos os casos a imagem de que "não se pode afirmar que duas pernas possam agir de forma independente ou concorrer entre si se obedecem a uma mesma cabeça" (v. A.C. na 08012.009758/98-18, relator MARCELO CALLIARI).

Note-se que a expressão grupo econômico não é tomada, na lei, no sentido estrito da lei societária, mas no sentido amplo que alcança, inclusive, o mero grupo de fato. O que significa, afinal, que mesmo a exploração econômica direta, mas por intermédio de outra empresa pertencente ao grupo econômico, está vedada.

Em termos de um insumo essencial, a Resolução (art. 4º) reitera, ademais, a obrigação legal (LGT art. 96, IV) de a Prestadora fornecer, em prazos e a preços razoáveis e de forma não discriminatória, a sua relação de assinantes que, minimamente, deve constar da lista de assinantes. Esta exigência é perfeitamente conforme à essential facilities doctrine. Trata-se de normativização prévia de relação contratual entre a prestadora de serviços, detentora das relações de assinantes, e os mercados adjacentes em que é permitida a exploração econômica das listas na forma de anúncios qualificados.

Ao exigir prazos e preços razoáveis e abstenção de discriminação, parte a Resolução da condição dominante da posição da prestadora. A razoabilidade é critério referido ao mercado, não ao disposto nos contratos. Prazos e preços contratuais podem ser fruto de imposição de cláusulas leoninas, configurando abuso de posição dominante.

A razoabilidade dos prazos diz com o momento de entrada em forma competitiva no mercado adjacente de listas telefônicas com anúncios qualificados. Assim, mesmo atrasos fundados em justificativas supostamente técnicas, comprovando-se discriminação, podem caracterizar abuso de posição dominante.

Sendo a relação de assinantes acessível à elaboração da LTOG, não poderá haver diferenças de prazos e condições na relação disponível à própria prestadora e às editoras que explorem economicamente as listas. Este óbvio critério de não discriminação faz parte, aliás, das normas da FCC (Federal Communication Comission) norte-americano sobre publicações de listas de assinantes, que, ademais, exigem que as informações sejam atualizadas, refletindo as mesmas mudanças introduzidas no sistema da prestadora.

Quanto à razoabilidade de preços, a mesma FCC fala em preços que sejam capazes de compensar, com equidade, a prestadora pelo custo de prover e manter a relação de assinantes e o valor mesmo dos listados. Com esta base, a autoridade acaba por fixar um preço, acima do qual a prestadora se obriga a demonstrar os custos que possam explicar valores superiores. A fixação do preço obedece a metodologias de apuração do correspondente benchmark.

A legislação brasileira de defesa da concorrência tem critérios para apurar se um preço é excessivo. A contrario sensu, o parágrafo único do art. 21 da Lei nº 8.884/94 fornece os critérios legais para a apurar a razoabilidade dos preços. O primeiro critério pede a consideração dos custos. O segundo, que o preço seja comparado com o de sucedâneos ou com preços anteriores, em caso de aumento, para evidenciar-lhes as razões de alteração. O terceiro, que se compare com produtos ou similares em mercados que sejam competitivos, quando o mercado em tela é dominado por monopólio ou oligopólio.

Concluo, em síntese, que a LGT toma uma linha bastante clara quanto à separação do mercado de serviços de telecomunicações enquanto sujeito a procedimentos licitatórios e à disciplina de regime público, e o mercado adjacente de listas de assinantes (que não se confunde com a LTOG), de livre exploração a qualquer interessado. Num quadro que faz pensar na essential facilities doctrine, ao separar os mercados, cuida de evitar que a posição dominante da prestadora no mercado de concessão se estenda para o mercado adjacente. Não a impede de divulgar listas de assinantes, desde que, porém, não signifique isto participação concorrencial no mercado adjacente. A proibição de exploração direta das listas é extensiva às empresas do grupo econômico, de fato ou de direito.

Fonte: Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, vol. 11, 2002, pp. 257-265.

Texto digitado e organizado por: Gabriela Faggin Mastro Andréa.