Remissão e Anistia Fiscais: sentido dos conceitos e forma constitucional de concessão

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

A concessão de remissão ou de anistia de tributos exige, por força do comando constitucional, lei específica e exclusiva. O exame dessa especificidade e exclusividade exige, por sua vez, a devida consideração do contexto sistemático em que ambas ocorrem. Sem uma aceitável distinção entre os conceitos de anistia e remissão, torna-se difícil esclarecer a constitucionalidade das leis que as promovam.

É o objetivo deste trabalho esclarecer aquelas noções, dentro de um contexto orgânico que as explicite.

1. Lei Específica e Exclusiva

A Emenda Constitucional n° 3/93 deu ao art. 150, § 6° da Constituição Federal a seguinte redação:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

...

§ 6° Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão relativos a impostos, taxas ou contribuições só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2°, XII, g."

A questão nuclear que se coloca inicialmente está na exigência de lei específica e de exclusividade na regulação da matéria, em especial tendo em vista o disposto nos artigos 172 (remissão) e 180 (anistia) do CTN.

O comando constitucional exarado no parágrafo 6° deve ser lido, inicialmente, no contexto dado pelo caput do art. 150. Não só por razões lógicas e sistemáticas, mas também em vista dos princípios supramencionados, mormente no que se refere aos objetivos estabelecidos no preceito. Assim, as exigências do parágrafo 6° devem ser tomadas em termos de "garantias asseguradas ao contribuinte", posto que no caput se fala "sem prejuízo de outras garantias", dando a entender claramente que o disciplinado no artigo é um elenco delas que se acresce às demais.

Como garantias asseguradas ao contribuinte, o alvo do preceito é a proteção deste sujeito - o contribuinte - e não do poder normativo que é, então, limitado pelo comando. A garantia está nessa limitação. O poder normativo é o legislador (ele é o complemento agente da voz passiva, oculto, no texto) e seu poder deve ser exercido mediante lei (complemento adverbial de instrumento da oração). Ou seja, em termos de garantia, quem concede a remissão (e a isenção, a anistia etc.) é o legislador e este deve agir por meio de lei.

A garantia consistente nessa restrição ao poder normativo, no caso da remissão (mas. nesse sentido, também nas demais matérias previstas no parágrafo 6°) protege o contribuinte contra a discricionariedade. em nome do princípio da legalidade, mas também contra o tratamento igual de situações desiguais, em nome do princípio da igualdade. Tenha-se em mente, assim, que uma remissão, enquanto dispensa de crédito já constituído, portanto forma de extinção do crédito tributário, é sempre uma exceção dentro de uma regra geral. Em termos de proteção contra a discricionariedade. o comando impede, por exigência de lei, que exceções sejam abertas ao arbítrio da autoridade concedente, evitando-se ou ilegítimos favorecimentos ou ilegítimos desfavorecimentos. Já em termos de proteção contra o tratamento igual de situações desiguais, tenha-se em conta, inicialmente, que este é um dos sentidos nucleares do princípio da igualdade e que mereceu destaque no art. 5° da Constituição Federal, o qual não apenas previu que "Todos são iguais perante a lei", mas garantiu, superlativamente. no mesmo caput. "a inviolabilidade do direito ... à igualdade", isto é. não só todos são iguais diante da lei estabelecida, bem como a lei não pode estabelecer igualdade entre desiguais nem desigualdade entre iguais. Segue daí que a remissão e a anistia, como exceções a um regra geral, são uma garantia do contribuinte que se ache em situação diferente da dos demais. A vocação preceptiva do comando do parágrafo 6° do art. 150 da Constituição, portanto, é no sentido de que o poder normativo do Estado evite o tratamento igual dos que se acham em situação desigual mas que, ao fazê-lo, o faça mediante lei.

Esta lei deve ser específica. Específico opõe-se a genérico. Em termos de preceito normativo, genérico admite dois sentidos (Bobbio: Studi per una Teoria Ge-neralc dei Diritto, Giappichelli. Torino, 1970. pp. 11 e ss.): diz-se que o preceito é genérico ou porque se dirige a todos os destinatários (generalidade pelo sujeito) ou porque sua matéria consiste num tipo abstraio (generalidade pelo objeto). Em contraposição, o específico o será também pelo sujeito (individuação do destinatário) ou pelo objeto (singularização da matéria). A exigência de lei específica significa, nesse sentido, que seus preceitos devem estar dirigidos a um subconjunto dentro de um conjunto de sujeitos ou que seu conteúdo deve estar singularizado na descrição da facti species normativa, isto é, pela delimitação de um subconjunto material dentro de um conjunto. Assim, por exemplo, será específica a lei que conceder remissão de débitos em geral a entidades filantrópicas (especificidade pelo destinatário), como também será específica a lei que conceder a remissão de débitos abaixo de um determinado valor (especificidade pela matéria). A exigência de especificidade, em ambos os sentidos, é coerente com os objetivos do preceito constitucional de garantir o contribuinte contra o tratamento igual de situações desiguais ou de sujeitos em situações desiguais. Fosse a lei genérica, num dos seus dois sentidos, este fim não estaria sendo atingido, sendo inconstitucional a lei. É o caso, por exemplo. de remissões de penalidades, concedidas no passado no interesse da arrecadação, para todo e qualquer contribuinte que quitasse seus débitos, de uma só vez, até certa data numa manifesta quebra do princípio de igualdade e da exigência de justiça. por tratar igualmente situações e sujeitos desiguais.

A lei específica, segundo o parágrafo 6° do art. 150 da Constituição, deverá ainda regular exclusivamente as matérias ali enumeradas ou regular exclusivamente o correspondente tributo ou contribuição. Em termos de garantia do contribuinte (caput do art. 150), qual o objetivo dessa exigência?

Exclusividade tem sentido de proteção. Por exemplo, o uso exclusivo de uma marca significa para o usuário um privilégio que o favorece. Tratar exclusivamente um tema pressupõe, nesse sentido, que daí resulte para os destinatários da norma alguma forma de proteção. Exclusividade deve ser, assim, entendida em consonância com as garantias do contribuinte, ao teor do caput do art. 150. Como vimos, seu sentido é de proteção do contribuinte contra a discricionariedade na concessão de uma exceção, evitando-se, destarte que se privilegie ilegitimamente um em detrimento dos demais, mas também de proteção contra o tratamento igual de contribuintes em situação desigual, evitando-se, em contrapartida, uma iniquidade. No sopesamento dos dois objetivos entra o princípio da proporcionalidade: nem a proteção dos demais contribuintes contra uma discricionariedade arbitrária deve conduzir a uma igualação dos desiguais, nem o tratamento desigual para desiguais deve contribuir para alguma forma de discricionariedade arbitrária. A exclusividade no tratamento legal de um tema (matéria) é um instrumento de técnica legislativa que deve atender essa proporcionalidade. Ao se tratar exclusivamente a matéria estar-se-ia evitando a dispersão desorganizada e descontextualizada de temas que, por natureza, constituem exceções em um contexto, atendendo, com isso, os referidos objetivos.

De um ponto de vista gramatical, a exclusividade como técnica tem, obviamente, o sentido de uma concentração temática. Esta concentração, contudo, não pode ser tomada literalmente sob pena de inviabilizar o objetivo. Tratar concentradamente a matéria exige um contexto e, no caso da remissão, por se tratar de uma excepcionalidade, ela não pode ocupar o centro do contexto sob pena de tornar ambígua a relação entre o todo e parte. Ou seja, se as matérias do parágrafo 6° são, por sua natureza, exceções, seu tratamento exclusivo exige o contexto em que elas aparecem como tais. Afinal, não se cria uma remissão (ou uma isenção, ou uma redução ik- base de cálculo etc.) sem a referência ou ao tributo ou à circunstância (motivo e finalidade de sua criação) em que ela deva ocorrer. Nos termos do disposto no parágrafo 6° do art. 150 em comento, esta observação, que vale mais intuitivamente para a exigência de tratamento exclusivo com referência ao tributo ou contribuição em cuja regulação a remissão ou a anistia entram como exceção, vale também para a exclusividade relativa à própria matéria da remissão ou da anistia. Tratar de uma remissão ou de uma anistia fora de um contexto sistemático em que o núcleo seja dado pela disciplina das situações que se desejam excepcionar seria como se quisesse tratar, por exemplo, da legítima defesa num diploma legal exclusivo quando se sabe que ela só faz sentido em contextos específicos (como o do crime de morte) ou de um incentivo sem disciplinar o contexto econômico dentro do qual ele toma sentido. O contexto, portanto, deve estar dominado por uma política tributária que se implementa normativamente. dentro da qual a remissão e a anistia adquirem sentido.

O que efetivamente não pode acontecer é que a matéria (da remissão ou da anistia) seja tratada dentro de um contexto no qual ela não adquire nenhum significado, como o de uma lei que tratasse de disciplina do comércio exterior e. ao final, contivesse normas sobre a remissão ou a anistia de alguma contribuição social. Isto seria um uso indevido da técnica legislativa preconizada que, ademais, prestaria um desserviço à proteção contra a discricionariedade por dar margem, eventualmente, ao encobrimento de um privilégio em nome de um suposto tratamento desigual de situações desiguais.

Em síntese, a exclusividade deve ser tomada como um instrumento a serviço da sistematicidade orgânica da disciplina normativa. Por isso, no exame de caso o que se deve observar é essa sistematicidade orgânica do diploma legal e verificar, dentro dela, a matéria, revelando-se deste modo o tratamento exclusivo.

2. Sentido dos Conceitos

O exame da matéria, submetida a tratamento exclusivo dentro de uma sistematicidade orgânica, traz peculiaridades, quando se fala em remissão e anistia. A proximidade dos conceitos pode levar a confusões orgânicas, que devem ser evitadas.

Como ponto de partida, tomaria a palavra abalizada do mestre Aliomar Baleeiro, que afirma: "A anistia não se confunde com a remissão. Esta pode dispensar o tributo, ao passo que a anistia fiscal é limitada à exclusão das infracões cometidas anteriormente à vigência da lei. que a decreta." (Direito Tributário Brasileiro. 7a ed.. Rio de Janeiro. 1975, p. 533)

Explica Baleeiro, sobre a anistia fiscal, que o CTN tomou de empréstimo o milenar instituto político de clemência, esquecimento e concórdia, com este. porém, não se confundindo, apesar da mesma natureza - perdão, esquecimento -, de um lado, por restringi-lo, posto que a anistia fiscal exclui os atos qualificados como crime ou contravenção ou atos que. sem este qualificativo, envolvem dolo, fraude, simulação ou conluio, de outro, por ampliá-lo, posto que se estende, para além do legislador federal, aos legisladores estaduais e municipais. Quanto à remissão esclarece que o CTN se refere ao mesmo instituto de Direito Privado de que trata o Código Civil, arts. 1.053 a 1.055. que tem, como a anistia política, o mesmo cerne significativo na ideia de perdão (remitir ou perdoar a dívida) (cf. op. cit., p. 512).

A distinção entre os dois institutos, no âmbito tributário (sistematicidade orgânica da matéria), é importante porque produzem efeitos diferentes - a remissão é modalidade de extinção do crédito (CTN. art. 156), a anistia exclui o crédito (CTN. art. 175). Mas reduzir a distinção entre ambos a perdão de infração e penalidades correspondentes (a anistia) e a perdão do crédito (a remissão) é, data venia, uma fórmula muito pobre, já pela origem diferente que manifestam. O exame da sistematicidade orgânica exige, para além da estrutura do contexto normativo, a consideração da gênese dos conceitos.

O transporte para o Direito Tributário não apaga as origens e ignorá-las pode conduzir a perigosas simplificações. Afinal o direito é um fenómeno da vida humana e não um texto sem contexto. E como diz o mesmo Baleeiro, a remissão, dentre as modalidades de extinção, é um dos casos em que o CTN se serve "de institutos e conceitos de Direito Privado, no mesmo sentido em que este os criou e estruturou (CTN, arts. 109 e 110)" (op. cit., p. 477), lembrando, por sua vez. que a anistia fiscal, "como a anistia política", pode ser absoluta ou condicional, geral ou restrita (p. 533).

O fato de a anistia fiscal, como a anistia política, poder ser absoluta é já um primeiro dado a ser considerado. Ao contrário da remissão, que o CTN vincula à racionalidade de uma relação meio/fim - casos de admissibilidade, conforme o art. 172 do CTN -, a anistia, que pode ser absoluta, poderá ser então concedida incondicionalmente ("irrestritamente pela lei sem quaisquer condições" - Baleeiro, op. cit., p. 533), alheia ao cálculo limitador da racionalidade. Isto a aproxima de suas origens mais remotas, quando era concedida em alusão a eventos que não guardavam nenhuma relação com os efeitos do ato soberano (cf. Radbruch: Gerechtigkeit und Gnade, in Rechtsphilosophie, Stuttgart, 1963, pp. 342 e ss.).

Por isso, no direito moderno, a anistia não é vista, basicamente, como um favorecimento individual, posto que seu destinatário imediato é a pessoa humana e a sociedade (cf. Pinto Ferreira, verbete “Anistia" na Enciclopédia Saraiva, vol. 6, São Paulo, 1978, p. 434). Nesse sentido, não pede nenhuma justificação condicional ao ato da autoridade que a concede, ainda que, secundariamente, possa atingir certas finalidades (como por exemplo, a paz social ou um benefício econômico). Ou seja, ela não é concedida porque nem para que um conjunto de beneficiários por meio dela ela se beneficie, mas no interesse soberano da própria sociedade.

Além disso, sendo oblívio, esquecimento, juridicamente ela "provoca a criação de uma ficção legal", ela não "apaga" propriamente a infração, mas "o direito de punir", razão pela qual aparece depois de ter surgido o fato violador, não se confundindo com uma novação legislativa (Pinto Ferreira, id., ib.).

Entende-se, assim, porque a anistia fiscal é capitulada como exclusão do crédito (gerado pela infração) e não como extinção (caso da remissão), pois se trata de créditos que aparecem depois do fato violador, abrangendo a fortiori apenas infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede. E, como na anistia política, da qual segue o cancelamento das penalidades ou a revisão das penas correspondentemente à infração anistiada, também a anistia fiscal será seguida de cancelamento de multas, eventualmente sob condição de pagamento do tributo, cujo crédito então não se extingue.

Ou seja, o crédito gerado pela infração se exclui porque a infração se anistia. isto é, desaparece o direito de punir (cf. Ruy Barbosa Nogueira, Curso de Direito Tributário, São Paulo, 1976, p. 254). Desaparecido esse, desaparecem as penalida-des, embora, obviamente, a recíproca não seja verdadeira, isto é, as penalidades podem ser extintas (por exemplo, pelo pagamento) sem que desapareça infração e, em consequência, sem que o crédito tenha sido excluído.

O CTN, art. 180, fala, assim, em anistia de infracões e não de anistia de penalidade. Afinal, como esclarece Baleeiro, no Direito Tributário, "o Fisco, se há infração legal por parte do sujeito passivo, pode cumular o crédito fiscal e a penalidade. exigindo esta e aquele" (op. cit., p. 479). Esta autonomia da exigência da penalidade que. como crédito, nasce da infração. explica que a anistia desta exclua a exigência daquela que, em consequência, se cancela.

Mas a mesma autonomia tem de admitir a hipótese de mera redução de multas e penalidades, isto é, do crédito correspondente, sem que haja. obviamente, perdão da infração ou de que o crédito gerado pela infração possa ser extinto (e não excluído) por qualquer das modalidades de extinção de crédito. Afinal, não se pode anistiar um "pedaço" de uma infração, embora se possa perdoar parte de um crédito.

Já a remissão é. justamente, uma dessas modalidades, cuja estrutura, como diz Baleeiro, vem do Direito Privado. A remissão de dívida é negócio jurídico unilateral, que pode ser abstrato ou causal. Se causal, faz depender de solução de outra obrigação a sua eficácia. A eventual bilateralidade da remissão depende do que o credor quer. Ou seja, a bilateralidade não lhe é essencial (cf. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, tomo XXV, Rio de Janeiro, 1959. pp. 57 e ss.). Entende-se, desse modo. que a remissão tributária seja ato fundamentado e que a lei concedente preencha os requisitos estabelecidos pela lei complementar. Ela não pode ser concedida incondicionalmente (e nesse sentido é distinta da anistia; ela deve obedecer a pressupostos - cf. Tipke/Lang: Steiterrecht, Koeln. 1991, p. 726).

A remissão privada pode ser parcial. Neste caso. apenas parte do crédito se extingue. A remissão tributária também pode ser parcial. Na remissão privada, se parcial, então somente parte do crédito se extingue. Ora, como mostra Pontes de Miranda (p. 62), às vezes, a remissão "só se refere aos juros, ou à multa convencional; e nada impede que seja do capital, sem os juros, ou outros interesses" (p. 62).

Na verdade, a remissão privada pode ser da dívida ou da pena. Ou seja, se a anistia só se refere à infração, isto não exclui a possibilidade de a remissão referir-se também e mesmo apenas ao crédito resultante da pena pecuniária imposta, e até somente a uma parte deste crédito.

Ora, a possibilidade da remissão da pena tem uma consequência que não pode ser menosprezada. Afinal, no campo tributário, há de se reconhecer que haverá casos em que a lei anistia a infração, donde se segue a extinção da pena. mas outros há em que ela cancela a penalidade sem ter anistiado a infração. Neste último caso, qual o instituto que estará sendo aplicado; o de origem política (penal) ou o de origem privada?

Ora. tenha-se em conta que. quando se trata de perdão de pena criminal, não se fala em anistia, mas em indulto. "Ao contrário da anistia, o indulto não extingue o crime, impede tão-só a execução da pena a que tenham sido condenados os que dele se beneficiam" (Aníbal Bruno. Direito Penal, tomo 3°. Rio de Janeiro/São Paulo. 1966. p. 204). Mas de indulto não fala a lei tributária. E quando fala em concessão de anistia. limitadamente (CTN. art. 182-11), não prevê nenhuma hipótese de limitação referente a uma (parcial!) redução de penalidades pecuniárias. Mesmo porque, nesse caso. não haveria anistia, mas indulto.

Não obstante, a doutrina tributária fala em anistia de penalidades, argumentando que. em tal caso. sendo a sanção a negação da negação do direito provocada pela infração. ela é a afirmação daquele direito (a dupla negação é uma afirmação). Donde se segue que a supressão da pena equivaleria à supressão do direito que ela confirma, isto é. a anistia da pena equivaleria à anistia da infração correspondente. Daí, apesar de o CTN falar apenas em anistia de infração, poder-se admitir também a anistia (imprópria?) de penalidade (cf. Zelmo Denari; Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 4, São Paulo, 1978, pp. 181 e ss.).

Esse argumento, que admite a anistia da infração por força da anistia da pena, valeria quando ocorresse o cancelamento total da pena, mas é impróprio quando o caso é de mera redução, pois seria então de se perguntar se estaria ocorrendo a anistia (em parte?!) da infração, em relação à qual, como se sabe, a pena pecuniária não tem função compensatória de crédito (Baleeiro, p. 479). Pode-se anistiar uma infração e não outra, a infração referente a um tributo e não a outro, as infrações punidas com multa até certo montante, mas não um "pedaço" de infração nem penas até certo montante de tal modo que a infração ou o direito de punir ficassem "meio" anistiados. A possibilidade legal de perdão de parte de penalidades, com a utilização da fórmula "cancelamento ou redução de multas e penalidades", merece, pois, uma outra explicação.

Segue, pois, que é irrecusável a hipótese de mero perdão de penalidade, isto é, de perdão do crédito correspondente, independente do oblívio da infração. Ou seja, quando o legislador tributário disciplina o perdão de penalidades ou vê na sua anistia uma correlação com a anistia da infração (por inteiro) ou, querendo referir-se apenas à penalidade (ao crédito correspondente) mantendo-se a infração e não recorrendo impropriamente ao instituto da anistia, só pode estar a falar em remissão. Assim, a remissão tributária sendo modalidade de extinção do crédito tributário tal como ele é constituído pelo lançamento e, no caso de penalidades, o crédito se constituindo por lançamento de ofício, quando a lei prevê o cancelamento ou redução de penalidades nada impede que estejamos diante de remissão e não de anistia.

Veja-se, por exemplo, o disposto no art. 4° do D.L. n° 1.893/81 que assim disciplinava:

"Art. 4°. Ficam cancelados, arquivando-se os respectivos processos administrativos. os débitos de valor originário ou inferior a Cr$ 12.000,00 (doze mil cruzeiros): I - de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional, inscritos como Dívida Ativa da União, pelas Procuradorias da Fazenda Nacional, até 18 de novembro de 1980; ..." (Grifei)

Ao cancelar débitos de qualquer natureza, inclusive penal, estaria ocorrendo remissão ou anistia? Nesse caso, o que ocorre é mera extinção do crédito e não exclusão do crédito, cabendo ao intérprete ter verificado se estão presentes os pressupostos da anistia ou da remissão, constatando, no caso, a presença da condição do inciso III do art. 172 do CTN.

Qual seria, então, o critério prático que permitiria, diante da fórmula legal "cancelamento ou redução de penalidades", saber se se trata de perdão/anistia ou de perdão/remissão? A meu ver o critério estrutural está nas condições a que se vincula a concessão legal. Se esta se reporta clara e expressamente às condições (a uma delas) do art. 172, incisos I a V, do CTN, estaremos diante de remissão. Se ela se reporta às condições das alíneas a até d do inciso II do art. 181 do CTN ou se não prevê condições (inciso I), o caso é de anistia.

Como esse critério aponta, por fim, para a contextualização da sistematicidade orgânica, seria preciso verificar qual o sentido do perdão. O que nos remeteria, então, à origem dos conceitos e seu sentido genético.

Fonte: Revista Dialética de Direito, nº 92, São Paulo: 2003, pp. 67-73.