Prefácio ao livro “Competitividade: mercado, estado e organização”, de Elizabeth M. M. Querido Farina, Paulo F. de Azevedo e Maria S. M. S.

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

 

Os autores mencionam provocativamente numa passagem deste livro a seguinte frase de um dos papas do liberalismo, pertencente à escola de Chicago: "Não existe, infelizmente, uma boa solução para o monopólio técnico. Existe apenas a escolha entre três demônios: o monopólio privado desregulamentado; o monopólio privado regulamentado pelo Estado e a produção estatal" (Milton Friedman). As três soluções seriam demoníacas. E aqui se põe um dos núcleos deste trabalho: de um lado, a questão da regulamentação dos mercados e, de outro, da sua desregulamentação.

Ao tratar da questão concorrencial, os autores chamam a atenção com perspicácia para o fato de que a livre concorrência como princípio do chamado "livre mercado" não conduz necessariamente à livre iniciativa. Ou seja, quando se fala em mercado livre, pode-se estar referindo à ausência de unia interferência externa ao seu próprio funcionamento. Mas isto não quer dizer que livre mercado propicie imediatamente livre iniciativa. O livre mercado, proporciona competitividade, fator relevante na formação dos preços, do dinamismo tecnológico, do uso adequado da economia de escala etc. Competitividade, assim, à primeira vista, exclui cooperação: ajuste, por exemplo, de preços entre competidores etc. A questão, no entanto, não é tão simples assim. Nesse sentido mostram os autores como, de um lado, os agentes econômicos competem, isto é, são rivais, mas. De outro, dentro da concorrência, produzem também comportamentos cooperativos. Num certo sentido, é impossível competitividade sem comportamentos cooperativos. Quando trabalhamos com bens chamados não cooperativos, por exemplo, a produção de pão, a competitividade funciona em larga escala e com bons efeitos quase sem necessidade de cooperação. No entanto, quando entramos no terreno dos chamados bens cooperativos, começa a ficar inevitável a interferência do Estado. Os bens cooperativos são bens chamados não-exclusivos, não-rivais, portanto, não-competitivos, e, se colocados na mão da iniciativa privada pura e simplesmente, provocam distorções dentro do mercado. Esses bens, que têm um sentido "público", podem ser, conforme a autora, por exemplo, um programa de combate a pragas na agricultura. Nesse caso, a presença do Estado é uma presença importante.

Os bens coletivos provocam o aparecimento, dentro de um mercado livre, de associações privadas, que não são estatais, mas que exercem uma função paraestatal, que tendem a administrar a necessária cooperação para que a competitividade funcione. E aí entra o direito econômico, e aí entra a repressão ao abuso do poder econômico. Só que aqui entram problemas de definição de fronteiras complicadíssimos. A cooperação deve estar sempre voltada para a competitividade, isto é, coopera-se para que a competitividade possa ser realizada da maneira mais eficiente. A tentação, no entanto, é que estas associações, permanentes ou precárias, partam para fórmulas de controle da própria competitividade, interferindo nela e provocando o alijamento da livre iniciativa.

Este tema, obviamente, não esgota este livro de sintonia fina e teoria apurada. Mas é um bom exercício, que coloca o leitor diante dos demônios de Friedman de maneira inapelável.

Fonte: “Competitividade: mercado, estado e organização”, de Elizabeth M. M. Querido Farina, Paulo F. de Azevedo e Maria S. M. S., São Paulo, 1ª Ed, Editora Singular, 1997.

Texto digitado e organizado por: Gabriela Faggin Mastro Andréa.