EXPOSITORES:
Prof.* Fernanda D. Menezes
Prof.* Mizabel Derzi
Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr.
Prof. José Afonso da Silva
Prof. Miguel Reale Jr
Sr. Presidente: Temos, integrando a mesa. para discorrer sobre o Poder Legislativo, à luz do texto constitucional positivado em outubro de 1988, juristas de nomeada para quem, logo em seguida à sua apresentação, vamos passar a palavra.
Estão integrando a mesa, na qualidade de expositores, a Procuradora do Estado, e professora desta Universidade, Fernanda Dias Menezes de Almeida; a Profª.1 Mizabel Derzi, da Universidade Federal de Minas Gerais; o Prof. José Afonso da Silva, desta casa também, ilustre publicista; Professor Tércio Sampaio Ferraz, igualmente professor desta casa; Prof. Miguel Reale Jr. e, integrando a mesa também, o Prof. Marcelo de Figueiredo, relator.
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Sr. Presidente: Passamos a palavra, com moita satisfação, ao nosso mestre de sempre Prof. Tercio Sampaio Ferraz Jr.
EFICÁCIA DAS CONSTITUIÇÕES
PROF. TÉRCIO SAMPAIO: A este Congresso de Direito Constitucional compareço como professor de Teoria Geral do Direito.
O tema que me coube, dentro desta temática geral do Poder Legislativo, é a eficácia das constituições. Por sorte, eu vou falar antes do Prof. José Afonso da Silva, senão eu ficaria sem o que falar. Ele também vai falar sobre o mesmo assunto. E, como eu tenho certeza que ele vai entrar em todos os meandros da Constituição, eu vou ficar, um pouquinho, achegando-me a ela e não propriamente dentro dela diretamente.
A respeito desse tema da eficácia, gostaria de fazer a seguinte consideração para efeito das nossas discussões. O conceito de eficácia não é um conceito único, ele tem vários sentidos. Os dois sentidos mais conhecidos são o da eficácia social e o da eficácia técnica.
A ideia da eficácia social é a ideia da efetiva obediência, da aplicação efetiva do texto normativo; a ideia da eficácia técnica nos remete à possibilidade da aplicação, à possibilidade de se tornar efetivo o mandamento. Há uma certa relação, entretanto, entre essas duas significações, de tal maneira que nem sempre é fácil nós distinguirmos urna da outra. Muitas vezes as condições sociais são também, de certa forma, condições técnicas para a eficácia normativa e, por outro lado, a condição técnica que se confere a uma norma acaba sendo um instrumento ou um elemento que afeta, também, a eficácia no sentido social.
Não obstante, a distinção é feita, e é usual. Além do mais, eu lembraria que há situações, talvez mais no sentido da eficácia social, em que, especificamente, as constituições são eficazes, não obstante não exista qualquer efetividade e talvez nem possa haver efetividade para elas. Eu me refiro àquelas normas cujo sucesso social — vamos dizer assim — está justamente em elas não serem efetivadas. Uma norma tem sucesso, ela é num terceiro sentido ineficaz, exatamente porque ela não se aplica; ela satisfaz, p. ex., certas exigências ideológicas num momento político da nação mas, se essas exigências ideológicas forem transformadas em comportamento efetivo isso criaria mais problemas. Nós temos o exemplo nas nossas Constituições, parece-me típico caso, com a participação dos trabalhadores no núcleo das empresas. Isso foi posto e na hora que se tornasse, pelo menos no passado, efetivo, provavelmente nós teríamos grandes problemas. A "eficácia" dcsla norma esteve justamente na medida em que ela nunca se tornou efetiva.
Bom, isto a respeito da dificuldade de nós apanharmos o próprio conceito de eficácia dadas essas três, pelo menos, noções que ali se escondem. Mas, há um outro dado que me parece importante, especificamente com respeito à nossa Constituição de 1988.
O conceito de eficácia é um conceito jurídico que se põe a serviço, no caso do Direito Constitucional, de uma concepção do Estado que está dentro das constituições tradicionalmente, e eu me refiro ao Estado de Direito.
Os conceitos jurídicos, os conceitos técnico-jurídicos, a dogmática jurídica do Direito Constitucional, quando nós vivíamos estritamente às formas, o perfil constitucional do Estado era o Estado de Direito, esses conceitos jurídicos tinham claramente o que eu chamaria de uma "função de bloqueio". A ideia de um Estado de Direito é um Estado bloqueado na sua atividade. Portanto, é função do interprete constitucional bloqueá-lo e dar-lhe os seus limites.
A noção de eficácia funcionou assim, enquanto o Estado de Direito preponderou, isto é, nós tivemos para a noção de eficácia uma espécie de função de bloqueio; ela nos dizia como segurar, por assim dizer, o Estado dentro dos limites constitucionais.
A ideia de normas executáveis, auto-executáveis e normas não auto-execuláveis atendia, a meu ver, essa função de bloqueio. Nós, com isso, fazíamos uma distinção que nos permitia delimitar aqueles casos em que nós deveríamos segurar - por assim dizer - a atuação do Estado. Quando aparece o bem-estar social a coisa muda e, a dificuldade de nós trabalharmos só com essa distinção - normas aulo-executáveis e normas não auto-execuláveis – começa, e me parece, a se tornar mais aguda.
As distinções propostas pelo Prof. José Afonso da Silva vêm ao encontro desta mudança, na hora em que começamos a perceber a preponderância do Estado, do bem-estar social, em que ao Estado são postas certas tarefas que ele é obrigado a executar, não basta a distinção de bloqueio das normas auto-execuláveis e não auto-execuláveis; é preciso fazer certas distinções finas, como ele propõe, p. ex., entre as de eficácia contida e limitada. Isto já acresce a função da eficácia a alguma coisa nova quando aparece o Estado do bem-estar social.
O Estado de Direito é um Estado fechado dentro da Constituição, ele não se expande e ele está separado da sociedade. A sociedade é uma coisa e o Estado é outra. O Estado do bem-estar social não vive esta separação em relação à sociedade; a sociedade não é uma outra coisa para ele, ao contrário ele atua na sociedade e tem a incumbência de aluar com a sociedade.
Portanto, a questão da eficácia constitucional muda neste momento. Pois bem, eu diria que há um terceiro momento na evolução do Estado do bem-estar social em que as tarefas postas ao Estado, na Constituição, não são apenas tarefas que ele deve executar como suas, mas são tarefas que ele deve no sentido de que ele está vinculado a elas - ele tem que executar. Nesse momento o problema de eficácia, a meu ver. sofre uma terceira transformação. Não se trata mais de um problema de bloqueio, não se trata apenas de um problema de realização do Estado do bem-estar social, mas se trata de uma exigência que se põe a ele para que realize a sua tarefa.
Aqui, a questão da eficácia começa a se ligar a outros instrumentos; a outros instrumentos inclusive que não são necessariamente dogmáticos, isto é, distinções conceituais. Eu penso aqui na inconstitucionalidade por omissão e no mandado de injunção. Já são instrumentos ligados ao problema da eficácia que permitem uma vinculação do Estado àquilo que ele está obrigado a fazer.
Ora, a meu ver, a Constituição brasileira de 1988 nos coloca diante desta última situação que eu descrevi. As Constituições anteriores, a de 46 eu diria que ainda ficou (e a de 91 sem dúvida), ainda ficou dentro da ideia do Estado de Direito e a eficácia mais posta em termos de bloqueio, isto é, um tratamento do Estado para segurá-lo dentro dos seus limites. As Constituições de 1967 e 69, ou a Constituição de 67 e 69 já provocou, me parece, uma mudança muito grande nesse tema, e a atual nos coloca, eu diria, nessa terceira fase em que aquela vinculação do Estado social às suas tarefas pode ser exigida. E, o problema que se coloca neste momento é como eu trato esta questão, isto é, posso eu usar os instrumentos que a Constituição põe nas minhas mãos para exigir do Estado que ele faça eficaz aquelas normas constitucionais que delineiam as suas tarefas? Todas? Algumas? Quais?
Esse me parece um problema que se coloca, hoje, a respeito da questão da eficácia. Hoje quer dizer, na Constituição de 1988.
E aqui eu ousaria fazer a seguinte distinção; ousaria porque estou pensando ainda não maduramente sobre esse problema, de modo que ouso fazer a seguinte distinção: em primeiro lugar, existem, me parece, comandos legislativos dentro da Constituição em que o interesse, vamos dizer assim, constitucionalmente bem agasalhado, ele já vem, por assim dizer, integralmente qualificado. Ou seja, ao legislador não cabe propriamente nem acrescer e muito menos subtrair a esse interesse que já vem qualificado, dentro da Constituição.
Eu diria que praticamente, no rol dos direitos fundamentais, nós encontramos situações deste tipo o interesse já vem totalmente qualificado. Existem, no entanto, outras situações em que este interesse não está inteiramente qualificado dentro das normas constitucionais mas abram, autorizam o legislador, a dar-lhes o perfil, isto é, o legislador tem que colaborar para dar este perfil ao interesse contido na norma constitucional.
Nesse caso, ou nessa segunda hipótese, nós temos a distinguir os seguintes casos: primeiro aqueles em que este perfil está delineado no sentido de que se estabelece um fim que o Estado está obrigado a atingir, e ele que procure os meios para fazê-lo, ou seja, o Estado tem uma espécie de obrigação finalística, ele tem que atingir aqueles fins. Há outros casos no entanto em que fins e meios estão desvinculados, estão dados os meios ao Estado, mas não se estabelece, necessariamente, um fim a que ele tenha que obrigatoriamente atingir.
No primeiro caso, a autorização que se dá ao Estado para traçar o quadro do interesse, isto é, completar por assim dizer aquele interesse, cujo perfil está traçado na norma constitucional, esta autorização, se o legislador não exercita, me parece que naquele caso - ou esses são aqueles casos - em que nós vamos falar de inconstitucionalidade por omissão e vamos falar de mandado de injunção. Naqueles outros casos, porém, em que este perfil - e esta autorização consequentemente dada ao legislador não está ainda acabada, mas que se abre a ele a possibilidade de completar e acrescentar algo mas não se pode exigir dele isto - nós teríamos aqueles múltiplos outros casos em que, a meu ver, não caberia nem mandado de injunção nem inconstitucionalidade por omissão.
Claro, isto é teoria. Nós temos que ir agora ao texlo constitucional e começar a levantar exemplos, aliás como faz excepcionalmente o Prof. |osé Afonso no seu livro, quando fornece os conceitos, por ele desenvolvidos, novos. Mas, lamentavelmente, fico dentro dos meus quinze minutos e ponho-me à disposição para discutir um pouco esses conceitos, na sua aplicação, e dando exemplos quando houver ocasião, e se houver perguntas a respeito do assunto. Muito obrigado.
Sr. Presidente: Como já ressaltou o Prof. Tercio Ferraz Jr., os que nos interessamos por Direito Público sabemos que meditar, refletir sobre a aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais é algo que passa obrigatoriamente pelas ideias do Prof. |osé Afonso da Silva, expostas principalmente em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, que todos lemos.
A sequência natural então é passar a palavra ao Prof. José Afonso da Silva.
Fonte: Revista de Direito Público n.º 95, julho-setembro 1990, ano 23, Conferências e debates, Poder Legislativo, Eficácia das Constituições, Professor Tércio Sampaio.
Digitação corrigida por Sonia Silva Barros Dias.