O conceito jurídico de oligopólio e a legislação sobre o abuso do poder econômico

Tercio Sampaio Ferras Jr


1. A concentração de empresas – 2. Mercados oligopolizados – 3. Oligopólio e abuso de poder econômico.
A expressão "oligopólio" não aparece na recém promulgada Lei 8.884, de 11.6.94. Nem constava dos principais diplomas da legislação anterior, em especial, a Lei 4.137/62 e a Lei 8.158/91. O termo, no entanto, tem importância normativa, na medida em que a legislação se ocupa expressamente da chamada concentração econômica (Lei 8.884/94, art. 54). O texto normativo, constante do § 3," do citado artigo e recentemente alterado pela MP 542/94 (art. 55), exige a apresentação de atos que conduzam a qualquer forma de concentração econômica, os quais impliquem participação de empresas ou grupo de empresas deles resultantes em 20% de mercado relevante ou em que qualquer dos participantes tenha registrado no último balanço faturamento equivalente a 100.000.000 de UFIR. Na apreciação desta concentração, o conceito de oligopólio ganha relevância jurídica, ademais de sua significação econômica. Além disso, o termo é igualmente relevante para a própria noção de dominação de mercado, constante do art. 20 da referida lei e do art. 173, § 4," da Constituição Federal, bem como para uma das explicitações possíveis do termo "posição dominante", que aparece no § 2." do referido art. 20, constante também do seu caput inc. IV, e do art. 14, II, que disciplina a competência da Secretaria de Direito Econômico ― SDE ― do Ministério da Justiça. Não só por esses motivos, mas também por sua repercussão na literatura especializada, o termo merece a devida consideração do ponto de vista jurídico.

1.A concentração de empresas

A concentração de empresas é um fato ' típico da economia de mercado. A busca do lucro, enquanto condiciona e possibilita a acumulação de capitais, explica a possibilidade de aumento da dimensão da empresa. Nos quadros da livre concorrência, este aumento pode exigir, entre empresas, ajustes ou coalizões, fusões, incorporações ou integrações, vistos como instrumento de competição entre elas. Em consequência, o fenômeno da concentração não é uma exceção no jogo do mercado, mas um dado virtualmente constante das relações econômicas. Em outras palavras, faz parte da economia de mercado alguma forma de concentração enquanto instrumento estratégico resultante da situação na qual cada agente, ao adotar uma decisão, não pode deixar de levar em conta as possíveis decisões de seus concorrentes, atuais ou potenciais. Ou seja, quando se fala em concentração é preciso, de um lado, considerá-la como um dado praticamente inevitável da estrutura do mercado, e, de outro, dada a possibilidade de sua utilização como instrumento estratégico na obtenção de posições de predominância no interior daquele estrutura, como um fator de poder econômico.

Estes dois aspectos ― dado inevitável da estrutura e instrumento estratégico de poder ― são distintos. Mas as primeiras expressões de regulação do mercado, particularmente nos Estados Unidos, os puseram numa relação confusa. Partia-se, é verdade, do mercado concorrencial oitocentista, supondo-o ordenado por uma estrutura atomística e fluída, isto é, pela pluralidade de agentes e pela influência isolada e dominadora de uns sobre os outros. Por isso mesmo, porém, admitia-se que, mantendo-se alto o número dos agentes econômicos, a massa daí formada seria homogênea, sendo negligenciável a ação de uns sobre os outros. A fluidez, por seu lado, exigia liberdade ou, mais exatamente, disponibilidade, isto é, possibilidade de os agentes determinarem, sem ser obstados, as quantidades e as qualidades de bens e serviços desejados, bem como entrar e sair do sistema a seu talante. Em consequência, as diferentes formas de concentração econômicas, sobretudo os monopólios e os oligopólios, apareciam como verdadeiras formas distorcidas da estrutura mercadológica. E como não se ignorava a possibilidade de choque entre forças econômicas (a luta como elemento de ativação das trocas), aos primeiros sinais de proliferação das formas concentracionistas, a reação jurídica foi, prima fade, vê-las gomo patentes ilicitudes.

No tratamento da matéria, o direito brasileiro principiou por considerar a concentração como prática abusiva em si. O Dec.-lei 869/38 a tomava, visivelmente, como distúrbio estrutural, identificando-a genericamente com monopólio. Mas, a partir de 1946, essa tendência sofre uma primeira correção passando a legislação a exprimir-se no que Shieber (Abusos do Poder Econômico, RT, S. Paulo, 1966, pp. 22 e ss.) chamou de "linguagem de finalidade": ao falar das diferentes formas de concentração, apenas as considerava abusivas se constituídas para dominar mercados, eliminar concorrentes, explorar consumidores etc. Por exclusão deveriam ser consentidas as que não tivessem aqueles objetivos.

Este tratamento trouxe para o Direito Econômico brasileiro a distinção entre concentração como fenômeno estrutural do mercado e como estratégia de poder, localizando a possibilidade de ilicitude no segundo, mas não no primeiro aspecto. Ou seja, não a concentração, mas o seu uso estratégico pode conduzir a formas ilícitas de poder econômico.

Isto, no entanto, não foi claro desde o princípio. Tanto que o art. 74 da Lei 4.137/62 chegou a ser visto como um instrumento normativo por meio do qual se aplicava, no Brasil, o princípio da rule of reason, usado na interpretação do Sherman Act norte-americano, que, em oposição ao princípio da per se condemnationem, permitia punir certos comportamentos concorrenciais, como as várias formas de concentração, apenas enquanto desarrazoadas em determinado contexto. Presumia-se, destarte, que práticas concentracionistas traziam consigo, em princípio, a marca da abusividade, podendo, assim, gerar processos de denúncia, apuração e punição a posteriori, salvo se submetidas ao CADE para exame prévio e registro. A presunção de abuso virtual era tal que, mesmo quando o CADE extrapolava o prazo de sessenta dias, a ele assinalado para pronunciamento, atribuía-se as práticas uma validade provisória até que, afinal, o CADE sobre elas decidisse (art. 74, § 3.").

No correr do tempo, porém, o que era instrumento meramente corretivo passa a ser usado decididamente para legitimar certas práticas que a economia nacional, por força da política econômica da Revolução de 64, começava a incentivar. Assim, no início da década de 70, podia-se ler em voto num processo administrativo no CADE: "A lei antitruste não incrimina a formação de grupo econômico por agregação de empresas per se, mas, tão-só e unicamente, quando o grupo se tenha formado e se venha mantendo por meio de qualquer das práticas abusivas taxativamente enumeradas" (cf. Franceschini: Poder Econômico: exercício e abuso, ― direito antitruste brasileiro, S. Paulo, 1985, p. 160). O fato é que o projeto desenvolvimentista formulado nos anos 50 e que, após o período Kubitschek, entrara em crise, conheceu com a Revolução de 64 uma reformulação em termos de industrialização forçada. Uma reforma no sistema financeiro, aliada a um abundante crédito externo, permitiu um aprofundamento da política de substituição de importações. Esta industrialização forçada foi em parte liderada pelos investimentos diretos do Estado, em parte por este induzida por estímulos que culminaram numa franca política de agregação empresarial, como se pode ver, do ângulo jurídico, pelos dispositivos concentracionistas das Leis 5.727/71 (1.° PND) e 6.151/74 (2.° PND) e, neste último, com a criação do COFIE ― estímulos fiscais ― e do FMRI e PMRC, no âmbito do BNDE, todos destinados a incentivar a política de fusão e incorporação nos setores em que "a excessiva disseminação de empresas nacionais lhes retire o poder de competição e as coloque em posição frágil, perante o concorrente estrangeiro" (2.° PND, item I, 3).

Estas transformações, como não podia deixar de ser, alteraram profundamente o modo de encarar juridicamente as práticas concentracionistas. Assim, se até o final da década de 60 podia-se perceber uma relativa indecisão na correta apreciação das formas de concentração econômica, vistas como nocivas ao equilíbrio do mercado, mas, não obstante, podendo contribuir para um melhor aparelhamento técnico da economia, já agora se intuía claramente que as sociedades mercantis e industriais, ao assumirem as formas burocratizadas dos entes políticos, o poder por elas exercido multiplicava sua potencialidade econômica e tendia à concentração. E se isto era assim, então uma simplista concepção das formas de concentração econômica como ilicitude teria de perder densidade.

A distinção entre a concentração como fato e como instrumento estratégico não significa, obviamente, ignorar que os dois aspectos estão imbricados um no outro. Na verdade a própria evolução da vida empresarial mostra que o fenômeno da concentração acompanha as alterações no seu uso estratégico. É o caso, por exemplo, das fusões que, no início do século, eram ofensivas e, entre os anos dez e vinte, defensivas. No primeiro caso apontavam para uma estratégia de conquista de mercado, no segundo apareciam como uma reação dos grupos menores, para sobreviverem em face dos grandes trustes. O objetivo da distinção portanto, não é isolar os aspectos distinguidos, mas alcançar um patamar que tome mais visível a questão do poder.

Com o advento da Lei 8.158/91, a questão ganhou, pois, uma nova formulação que se insere ademais em um cenário econômica e juridicamente diferente. De um lado, observa-se uma franca liberalização da economia; de outro, uma Constituição (de 1988) que permite muito mais claramente a separação entre processos concentracionistas como fato econômico e seu uso estratégico, sujeito este último à eventual vigilância do Estado. Saliente-se, neste sentido, que o princípio da livre concorrência, inserido no art. 170 do texto constitucional, como um dos balizadores da ordem econômica, autoriza a ver a concentração de empresas como um fato normal da economia de mercado, em que o aumento da dimensão da empresa pode decorrer da competitividade na busca do lucro, condicionadora e possibilitadora da acumulação de capitais. Tal aumento pode exigir, entre as empresas, ajustes, coalizões, fusões, e incorporações integrações que passam a ser recebidos como dados virtualmente constantes no jogo de mercado. De outro ângulo, porém, as concentrações ocorrem em uma situação na qual qualquer agente não pode deixar de levar em conta as possíveis decisões dos demais agentes, atuais ou potenciais. Assim, a concentração aparece, afinal, como um fato inevitável da estrutura de mercado, mas também como instrumento estratégico de poder que um agente usa a fim de obter uma posição de vantagem no interior daquela estrutura. Nesse contexto, a Constituição, que declara o mercado interno como patrimônio nacional (art. 219), trata do mercado concorrencial como um processo comportamental de competitividade. Esta exige a descentralização de coordenação como base da formação dos preços, o que supõe a livre iniciativa e a apropriação privada dos bens de produção, incorporando à estrutura de mercado as correspondentes práticas estratégicas. Isto faz com que a luta, no interior do mercado, receba um novo peso estrutural. Ela não é apenas ativadora do processo, mas um elemento que o regula e, no limite, altera a própria estrutura. Assim, não a concentração mas os conflitos gerados pelo seu abuso estratégico e a eventual lesividade para o mercado é que passam a constituir o objeto da função fiscalizadora do Estado (art. 174, caput, da CF).

Na recente Lei 8.884/94, art. 54, a legislação retorna, até certo ponto, às posições da antiga Lei 4.137 (art. 74). Volta a falar em autorização e legitimação de atos de concentração (art. 54, § 3.°) que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços (art. 54, caput). Esta fórmula, que aparece na definição de infração à ordem econômica, conforme o art. 20, incs. I e II, poderia levar-nos a dizer que a concentração passa, como no passado, a ter presumidamente a conotação de prática abusiva. Isto, no entanto, não é absolutamente correto. Na verdade, inobstante a alteração legislativa falar em autorização e legitimação, a concentração é apenas uma prática usual que, usada estrategicamente, merece o controle prévio da autoridade administrativa, desde que, podendo de fato vir a produzir o efeito caracterizado como infração, será então legitimada pelo CADE, caso preencha os requisitos legais que a isentarão de eventuais punições. Ou seja, em primeiro lugar, trata-se de uma potencialidade fática, a ser constatada pelo exame empírico da situação e não da potencialidade jurídica, como se fosse um ato ilícito tentado. Em segundo lugar, não é qualquer ato de concentração que deve ser levado à apreciação do CADE, mas apenas aqueles submetidos a ― aliás ― duas condições cumulativas: l. implicar uma participação de 20% em um mercado relevante ou qualquer das partes ter tido, no último balanço, faturamento bruto anual equivalente ou superior a cem milhões de UFIR (art. 54, § 3.°) e 2. manifestar uma potencialidade fática de vir a produzir um efeito caracterizado como infração. Em consequência, nem todo ato de concentração, ao teor do art. 54, será ipso facto considerado como infração ao teor do art. 20 nem conduzirá, como que automaticamente, à necessidade de apreciação e aprovação. Ademais, o faturamento equivalente ou superior a cem milhões de UFIR não se refere, certamente, ao faturamento total da parte, mas apenas ao que diz respeito ao mercado relevante, como aliás entende restritivamente a regra semelhante que existe na legislação do Mercado Comum Europeu. Entender de outro modo seria obrigar o CADE a manifestar-se sobre um sem números de meras aquisições em bolsa, em balcão, em suma, irrelevantes aquisições que criariam situações absurdas em que, por exemplo, uma parte, com faturamento total superior a cera milhões de UFIR, realizando um ato de concentração do qual resultasse uma participação de 5% no mercado relevante, estaria obrigada à comunicação, enquanto outra, com uma participação de 19%, mas com faturamento total de 90 milhões de UFIR, não estaria.

Se como vimos, a lei passa a estar preocupada com a concentração econômica e uma eventual limitação ou redução da concorrência dela resultante, ou seja, com a questão do uso estratégico da concentração pelo poder econômico, então em questão está a ocorrência de fatores relativos, constituídos em relação sistêmica: de um lado, aqueles capazes de produzir para uma empresa ou grupo de empresas uma posição preponderante que lhe dê condições de eventual exercício abusivo de poder econômico, não reduzindo-se, porém, de outro, a concentração econômica, enquanto mero fato da estrutura do livre mercado, a uma ilicitude. Em termos jurídicos, as presunções estabelecidas no art. 54 para obrigar à apresentação de atos concentracionistas a exame do CADE são júris tantum e não júris et de jure.

Posta preliminarmente esta ressalva, na análise da concentração econômica, a noção de posição dominante na definição de mercado relevante é um elemento primordial. E isto é um elemento chave para a construção de um conceito jurídico de oligopólio. Pois a partir de uma posição preponderante é possível, por exemplo, delimitar, em face de um produto relevante, bem ou serviço, no seu caráter específico, único ou substituível, o grau de dependência em que frente a ele se põem os agentes do mercado. Ou seja, o produto relevante, na configuração de um mercado relevante, se define pela possibilidade de disposição de uma empresa ou grupo de empresas sobre o seu preço, qualidade, quantidade etc., dentro de um espaço territorial no qual os consumidores não tenham condições, em tempo hábil, de voltar-se para fontes alternativas de suprimento (mercado relevante, geográfico e pelo produto).

Existe uma concepção mais antiga de dominação de mercados que, partindo de um estado dado do mercado, assimila à mera situação de ausência de concorrência a chamada posição dominante: se há falta de concorrência efetiva então há posição dominante. A outra concepção, que nos parece mais adequada, prefere, no entanto, definir tal posição não diretamente da situação do mercado, mas como poder econômico ou capacidade de ação que pode gerar ausência de concorrência efetiva. A mais antiga tem o defeito de ser estática. A outra, a vantagem de ser dinâmica (cf. Louis Vogel: Droit de Ia Concurrence et Concentration Économique, Paris, 1988, p. 95). Embora as diferenças entre ambas nem sempre sejam muito nítidas, a prática legislativa e jurisprudencial em vários países encarregou-se de estabelecer uma orientação Assim, a legislação alemã (GWB § 22) determina que, para identificar a posição dominante de uma empresa em face das concorrentes, é preciso ter em conta não somente sua participação no mercado, mas, em particular, sua força financeira, suas possibilidades de acesso aos mercados fornecedores e de escoamento, suas ligações com outras empresas, bem como as barreiras, de fato e de direito, à penetração de outras empresas no mercado. De certo modo, estes fatores estão presentes na legislação brasileira, que no art. 20, § 2." da Lei 8.884/94, presume a posição dominante no caso de uma participação de 20% em um mercado relevante, mas, por consequência, não a reduz a essa participação. Daí decorre que ; a chamada concepção estática nada mais , é do que a descrição de um dos meios aptos a gerar uma posição dominante, não sendo a configuração do poder econômico consequência necessária de uma situação preponderante.

Para o entendimento da nossa legislação, pode-se, pois, dizer que a concorrência pode ser afetada pela posição dominante, no caso de práticas concentracionistas, em função de três espécies de critérios: estruturais, comportamentais e de performance (Vogel, op. cit. p. 112). Critérios estruturais referem-se a características estáveis do mercado, as quais não dependem, estritamente, das condutas da empresa. Os critérios comportamentais tendem a estabelecer o poder de dominação a partir da estratégia de mercado da empresa. Os critérios de performance se ocupam do mau funcionamento do mercado, manifestado mormente pela alta de preços ou aumento dos lucros da empresa dominante. A partir desses critérios é possível dizer, no entanto, que a concentração não é, necessariamente, causa da dominação, mas uma espécie de condição indiferente. Destarte, a análise das situações exige uma "bilateralização" (Vogel, op. cit. p. 123) das relações: a posição dominante não é estabelecida a partir dos índices que demonstram a realidade do poder de ação positiva de uma empresa, mas é inferida do estado de dependência no qual se encontram seus clientes ou fornecedores. Assim, do ângulo estrutural, não basta uma participação alta ou média, pela empresa dominante, no mercado em geral, mas em uma parte do mercado extremamente importante. Por exemplo, é preciso que os consumidores dependentes de um certo tipo de produto ou serviço não tenham suficientes possibilidades de procurar concorrentes, ainda que suas necessidades não dependam apenas daquele produto ou serviço, podendo ocorrer, nesse caso, o que se chamou, nos EUA, apôs o caso Alcoa, de "abuso de estrutura". Os atos e as práticas abusivas não são, nesse caso, fruto de intenção predatória contra oc concorrentes (abuso de comportamento), mas atos e práticas que trazem consigo consequências que atingem a concorrência. Este entendimento é coerente com o que dispunha o art. 5." da antiga Lei 4.137/62, quando definia condições monopolísticas: "Entendem-se por condições monopolísticas aquelas em que uma empresa ou grupo de empresas controla em tal grau a produção, distribuição, prestação ou venda de determinado bem ou serviço, que passa a exercer influência preponderante sobre os respectivos preços". Note-se que a lei falava claramente em "exercer influência preponderante", o que nos conduzia ao critério comportamental e, em consequência, à mencionada bilateralização.

2. Mercados oligopolizados

Para o tema deste trabalho, merece uma análise especial a questão da posição dominante nos mercados oligopoli0zados. A legislação brasileira não constrói, como, por exemplo, a alemã, um conceito jurídico de oligopólio (cf. Kleinmann/Bechtold: Kommentar zur Fusionskontrolle, Heidelberg, 1988, p. 214). Não obstante, em face do disposto no art. 54 da Lei 8.884/94, é possível construir um conceito jurídico, entendendo-se que estamos diante de um oligopólio quando em relação a um número restrito de empresas não existam condições de haver entre elas uma efetiva concorrência num determinado ramo de negócios ou de prestação de serviços. Este conceito corresponde ao conceito econômico de oligopólio stricto sensu: A distinção é importante na medida em que, nesse caso, aumentando o número de participantes do mercado, pode constatar-se nele uma efetiva concorrência, embora continue ainda pequeno aquele número. Ou seja, do ponto de vista jurídico, o que define o oligopólio é, em número restrito de empresas, a possibilidade da ausência de efetiva concorrência entre elas. Nesse caso, o oligopólio passa a ter um interesse jurídico, em q alvo jurídico da lei não são os sensu. mas aqueles cuja manifesta a possibilidade de cia de competitividade.

O primeiro requisito desta noção é a ideia de um pequeno número de empresas. A questão, nesse caso, está em saber-se não quantas empresas compõem o mercado relevante, mas qual o grau de concentração deste. Isto é, o problema não está no número de empresas, mas no número de empresas que, dentro do mercado, detêm a condição de posição dominante. Assim, num mercado em que uma empresa detivesse a participação de 33%, uma segunda de 31%, uma terceira de 13%, e os restantes 23% estivessem distribuídos igualmente por 46 empresas, cada qual com 0,5%, teria um alto grau de concentração. Ao contrário, um mercado com 10 empresas, cada qual detendo uma participação de 10%, teria um baixo grau de concentração. Um dos métodos para medir este grau de concentração é o chamado "Herfindahl-Hirschman Index (HHI), que, ao contrário dos métodos que avaliam a concentração pela mera participação percentual (caso do chamado four firm concentration ratio), leva em conta com maior precisão as disparidades de participação. Para obter-se o grau de concentração, o HHI pede que sejam somados os resultados da elevação ao quadrado de cada participação. Assim, no primeiro exemplo, o índice seria de 2.219, enquanto no segundo seria de 1.000. Nos EUA, um índice abaixo de 1.000 aponta para um mercado desconcentrado. Entre 1.000 e 1.800, o mercado é moderadamente concentrado. Acima de 1.800, é altamente concentrado (cg, Areeda/Kaplow, Antitrust Analysis, 1988, p. 873 e ss.). O restrito número de empresas tem, pois, a ver com o grau de concentração, levando-se em conta que o relativamente pequeno número de empresas em condição de liderança propicie comportamentos coordenados pela mútua observação, de tal modo que isto possa influir, grupalmente, na política de preços de cada um dos participantes, inobstante diferenças de custos, estratégias mercadológicas, acesso a informações etc.

De modo geral, em consequência, é importante definir se uma empresa pertence ou não ao oligopólio. Ou seja, definir a diferença entre relações internas e externas num determinado oligopólio. Deve-se dizer, pois, que uma empresa pertence ao oligopólio (relações internas) se ela é capaz de limitar, na forma de reações interligadas e recíprocas, o espaço de ação econômica das demais, de modo a criar restrições ou possibilidade de restrições à efetiva concorrência. Aqui se entende a presunção dos 20% em um mercado relevante que, elevada ao quadrado, significa um índice de 400, o qual, em princípio, num mercado de concentração moderada (índice de mais de 1000) já merece cuidado. Note-se, porém, em consequência, que, se num grupo restrito de empresas, ainda que apresentem um comportamento uniforme (por exemplo quanto a preços, novos lançamentos etc.), não se puder falar interna corporis de posição dominante, se, portanto, tanto as "grandes" como as "pequenas" estão sujeitas uniformemente às mesmas condições daquele mercado, então este, embora oligopolizado do ângulo econômico, não será juridicamente significativo. Aliás, o fato de um oligopólio ser assimétrico (empresas de diferentes potencialidades) ou simétrico (empresas com equivalentes potencialidades) não implica diretamente uma relação de dependência dominante. Nesse sentido, o Direito se interessa, certamente, pelo oligopólio quando seus participantes orientam suas ações por interesses igualmente focados e com dependência recíproca (consciência de grupo), de tal modo que a decisão de um possa desencadear as reações de outros. Contudo, para que o sentido jurídico do oligopólio se aperfeiçoe, o chamado "paralelismo consciente" é fator insuficiente. Afinal, a ocorrência de atos semelhantes executados por concorrentes ao longo do tempo (não um ato só, num certo momento) pode resultar da mera confluência dos mesmos fatores econômicos sobre todos os concorrentes do ramo (cf. Shieber, op. cit. p. 89).

A questão jurídica está, de novo, na dependência recíproca e na consequente limitação à efetiva concorrência, o que deve, então, ser demonstrado de caso para caso. Ou seja, preços iguais, por exemplo, como indício de ausência de concorrência efetiva, precisam de uma investigação rigorosa. Em consequência cresce a importância da concorrência de produtos, bens ou serviços, por parte de empresas que tenham com o mercado oligopolizado uma relação externa: seus produtos, podendo substituir os produtos das relações internas, podem vivificar a concorrência, descaracterizando a ausência de competitividade.

Neste passo, é importante assinalar, a diferença entre o monopolista e o oligopolista. O primeiro não vê ninguém como seu concorrente. O oligopolista, ao contrário, vê determinadas empresas, pensa nelas e fala delas como suas concorrentes; supõe, então, que elas percebam as consequências das suas ações e sintam-se estimuladas a contra-reações, ponderando-as, pois, antes de ele próprio agir ("Machlup, Olígopol", in HdSW citado por Kleinmann/Bechtold, op. cit. p. 216). Dentro do mercado oligopolizado, portanto, a mera posição dominante não implica, necessariamente, possibilidade de comportamento abusivo, embora o oligopólio possa ter, em face das relações externas, um comportamento abusivo (por exemplo, impedindo a entrada de concorrentes). E vice-versa: internamente, a possibilidade existe, mas não ocorre externa corporis. Isto tem consequências para uma eventual, imposição abusiva de preços, nos termos do art. 21, XXIV da Lei 8.884/94 conjugado com seu art. 20.

3.Oligopólio e abuso de poder econômico

Imposição abusiva de preços é, pois, conduta que pode ocorrer de dentro do oligopólio em face das relações externas, mas não dentro do oligopólio se uma empresa manifestasse em face dos membros conduta monopolística, o que seria uma contradição lógica: conforme o citado "Machlup", oligopólio e monopólio, nesse sentido, se excluem. Em outras palavras, deve-se distinguir entre a imposição abusiva de preços como comportamento oligopolista e como comportamento monopolístico. No primeiro caso, haverá ou não indução de reações recíprocas. No segundo, o comportamento de concorrentes potenciais nem é levado em conta. Tendo em vista o tema em exame, interessa-nos a ocorrência num mercado oligopolizado.

No oligopólio, uma imposição abusiva de preços ― por exemplo, um aumento desproporcional ocorre, inicialmente, se uma empresa, a iniciadora, ou várias empresas, concertadamente, valendo-se da estrutura oligo polística, praticam a conduta. Valendo-se da estrutura oligo polística significa que o oligopólio tem, em face das relações externas, uma posição dominante. Esta posição dominante não quer dizer, necessariamente, conduta abusiva, a qual exige ausência de efetiva concorrência (por exemplo, um oligopólio pode, apesar de sua posição dominante, estar enfrentando séria concorrência de oligopólios e até dê monopólios no mercado exterior). Independentemente de uma eventual abusividade, no exemplo dado, o aumento desproporcional de preços significa, em princípio, uma extrema alta diferença entre os custos de produção e o preço do produto. A identificação desta diferença é reconhecidamente difícil (cf. Areeda/Kaplow, Antitrust Analysis, Boston, Toronto, 1988, p. 567). Uma alternativa seria verificar se os lucros da empresa com o produto excedem o ganho normal que haveria num mercado competitivamente equilibrado. Num mercado oligopolizado isto seria feito comparando-se os preços/custos de um produto não com um mercado hipotético, mas com outro mercado oligopolizado (o que traz os problemas do grau de semelhança entre os mercados) ou com outros produtos do próprio mercado, iguais ou de substituição. A relação custo/lucro, porém, envolve inúmeros componentes e, assim, uma enorme série de informações contábeis que nem sempre refletem os conceitos econômicos de custo e de lucro. Além disso, a alta diferença pode ser o resultado da ausência de concorrência efetiva, o que nos conduz a um raciocínio circular: a diferença é alta porque não há competitividade efetiva e não há competitividade efetiva porque a diferença é alta. Ademais, a alta diferença pode resultar de fatores externos, como a inflação, o que acresce as dificuldades para avaliar o caráter extremamente alto da diferença posto que, em face desta, pode estar ocorrendo ou uma reposição de perdas inflacionárias do passado ou uma prévia defesa contra possíveis perdas imediatas e futuras. Nesse sentido, como já alertava Shilber (op. cit. p. 193), "um efeito da inflação é tornar irreal, e até causa de suicídio para uma empresa, fixar os preços na base dos custos da produção, sem levar em conta o efeito da inflação sobre os futuros custos da produção".

O preço, contudo, não é o único fator de interesse na análise jurídica do oligopólio. Afinal, empresas buscam, em última instância, a maximização de lucros e isto depende não apenas de preços, mas de volume de vendas e custo de produção. Por exemplo, um preço mais baixo pode ser preferido por empresas com custos mais baixos de produção por unidade ou de qualidade de produtos mais baixa, caso em que entra em conta para a observação da reciprocidade de comportamentos e para a eventual ação em conjunto (paralelismo consciente), de modo a limitar a competitividade, uma possível divisão do mercado ou as dificuldades impostas à entrada de novos concorrentes (até pela fixação momentânea de preços abaixo do nível de competitividade). Aqui entram em considerações práticas, no interior do oligopólio em face da concorrência externa, como as mencionadas no inc. II do art. 21: obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes, ou no inc. III: dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários, ou no inc. IV: limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado, ou no inc. X: regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou a prestação de serviços ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição.

Em suma, o decisivo na avaliação do oligopólio é a ausência ou uma sensível diminuição da concorrência, cujos fatores essenciais são, além do preço, as condições, os serviços complementares, a velocidade dos fornecimentos, a propaganda, os investimentos, as inovações e a pesquisa e, em termos, o segredo industrial ou comercial. Na análise dó oligopólio, o distúrbio sensível na concorrência, porém, não está na eventual constatação de acordos manifestos, mas numa estrutura que permite, uniformemente por si mesma, um certo modo comportamental, presumindo-se que nenhum oligopolista se atreve, ao competir, uma outra conduta, a qual estaria vinculada usualmente a pesadas perdas para os demais membros (consciência de grupo). Note-se que uma abstenção consciente de concorrência não deve ser presumida, embora ela possa ser percebida e demonstrada a partir de indícios visíveis na uniformidade de comportamento, por largo tempo e por reações vinculadas em cadeia a longo prazo, relacionadas à falta de competitividade relativa aos fatores essenciais da concorrência, especialmente quanto a preços.

Em conclusão, deve-se dizer que oligopólios, enquanto fenômeno de concentração econômica, não são em si, no sentido mais amplo, objeto de interesse jurídico, mas apenas enquanto manifestam falta ou ausência sensível de competitividade. Mesmo quando esta falta ou esta ausência sensível ocorrem, não necessariamente estamos diante de infrações concorrenciais, mas apenas diante de uma potencialidade que, então constituirá requisito estrutural de exigibilidade de apresentação ao CADE de atos de concentração que ocorram no seu interior, conforme prescreve o art. 54 da Lei 8.884/94.

Fonte: Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, ano 3, nº 9 – Outubro-Dezembro de 1994, RT, São Paulo, p. 192-201.