A pergunta da Folha
Você acha que falta ao Brasil um projeto nacional?
NÃO. A ideia de um projeto nacional soa para mim como uma espécie de utopia holística, isto é, uma grande meta capaz de mobilizar propostas e concatená-las num todo, uma espécie, portanto, de objetivo político dominante, capaz de integrar a nação numa realização comum, coerente e transformadora. Nestes termos, porém, a unificação de todos os esforços nacionais parece-me antes uma espécie de miragem iluminista, impossível de se sustentar a sério nesta diáspora das utopias revolucionárias deste final de século.
Não desejo, com isto, negar que partidos políticos ou que um governo possam e até devam guiar-se por projetos inspiradores de mobilizações viáveis. Não creio, no entanto, que esteja aí o fulcro da questão. Na verdade, o que o país enfrenta hoje é uma série de problemas, não necessariamente interligados por conexões lógicas ou fáticas ou muito menos ideológicas. Repensar o Estado no contexto brasileiro, como vêm dizendo alguns grupos de esquerda, acabar com o dragão inflacionário, como proclama o governo, democratizar a sociedade, resgatando-a da pobreza crônica e imoral, como parece ser o dever de qualquer cidadão dotado de consciência moral, não são propostas integráveis numa espécie de plano nacional. São antes problemas, série heteróclita de desafios, que precisam ser tratados, administrados e enfrentados com muita fé no cotidiano plural da sociedade.
Acho sim, neste sentido, muito importante que os diferentes segmentos sociais se estimulem na busca de soluções para os problemas setoriais, sem, no entanto, supor ou querer fazer supor que a sociedade possa ser mobilizada, como um todo, numa direção decisiva e dominante. Penso, até mesmo, que a experiência mais recente vivida no período do autoritarismo de 64, o projeto do país-grande-potência e da revolução social e política atrelada ao desenvolvimento econômico, deva servir para uma reflexão atenta e cuidadosa.
Creio, por isso, que está na hora das políticas múltiplas, concretamente voltadas para problemas específicos, portanto menos interessados em gerar propostas abstratas e, por isso mesmo, tantas vezes demagógicas, mas, ao contrário, mais voltadas para soluções menos ambiciosas e também de êxito mais fácil de ser controlado. Talvez, por esta via, se consiga até mesmo algo que tem feito muita falta à vida política do país: partidos autenticamente enraizados na sociedade, nos seus problemas, circunscritamente concebidos, revelando — e não ocultando — o que realmente desejam e podem promover.
Fonte: FOLHA DE S. PAULO - 24. NOV. 1990.