Da abusividade do poder econômico

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

1. Abuso e excesso
Todo abuso é censurável. Quando parte de pessoa física ou jurídica que detém poder, isto é, que se acha em condições de criar para outros situações de dependência, torna-se uma ofensa ao direito que configura e garante o poder.

A noção de abuso é próxima da de excesso. Uso excessivo e abusivo pressupõem, em comum, a legitimidade, em princípio, do uso. O poder do qual se abusa ou de qual se excede é, em regra, legítimo. Há excesso, por exemplo, quando o agente, exercendo legitimamente o seu poder, exorbita, vai além dos limites da razoabilidade contextual. Na verdade a diferença etimológica não é precisa, sendo possível considerar o excesso como uma espécie de abuso.

Nesta linha de raciocínio é importante distinguir entre a legitimidade do poder e o mérito do ato. Quanto à legitimidade do poder, devem-se observar a capacidade, as condições, as limitações do agente em face dos demais destinatários. Quanto ao mérito, há de se olhar para o exercício estratégico do ato, para as circunstâncias e condições objetivas do momento, para a conveniência e oportunidade. Assim haverá abuso por excesso de poder (abuso subjetivo) quando houver exorbitância da capacidade, das condições do agente. O abuso ocorre por outro lado também por desvio de finalidade, pela violação das regras de mérito (abuso objetivo), capaz de produzir um efeito danoso no contexto da ação. No campo concorrencial, o abuso subjetivo pode ser observado, por exemplo, nos casos de abuso de posição dominante. Já o abuso objetivo ocorre, exemplificadamente, nos casos de restrição à concorrência.

2. Abuso e dano

A lesão do direito de outrem é de possibilidade tanto maior quanto mais complexa é a densidade das relações sociais. Isto faz da possibilidade de lesão um dado inevitável da vida social. Lesão, contudo não deve ser confundida com limitações no exercício legítimo do direito dos outros. Nem toda limitação provoca lesão e gera responsabilidade. É o caso do direito de usar o poder econômico que, por decorrência do paralelismo inevitável das atividades no mercado, constitui o direito de concorrência.

Quando uma limitação é vedada normativamente, por lei, o que faz dela uma ilicitude, a limitação praticada passa a caracterizar uma lesão e o ato correspondente é ato ilícito. Ilicitude no uso do poder econômico ocorre, em princípio, quando uma prática de mercado traduz a configuração da ilegalidade. Trata-se de práticas per se condenáveis por força de lei, em face do dano que provocam para o mercado. Para a caracterização da abusividade, porém, não é necessário que a prática seja uma ilicitude per se. Mesmo no exercício de prerrogativas legítimas, conferidas por lei ou não proibidas pela legislação, a ação econômica pode ferir interesses, lesar terceiros, produzir desequilíbrios no mercado. Trata-se então de uma lesão de direito que, inobstante a legitimidade da prática, pode gerar responsabilidade. Ou seja, o ato que obedece os limites da lei mas que, no exercício do direito, viola princípios de finalidade econômica da instituição social do mercado, produzindo um desequilíbrio entre o interesse individual e o da coletividade, constitui um abuso do poder econômico enquanto poder juridicamente garantido pela Constituição.

A expressão "poder econômico", constante do art. 173 § 4º da Constituição Federal, é um conceito que ganhou status constitucional com o aparecimento de normas jurídicas reguladoras da economia privada enquanto processo concorrencial. O estabelecimento de limitações ao exercício da atividade econômica não só perante os consumidores (economia popular) mas perante os próprios agentes produtores desenvolveu o conceito de poder de mercado que supõe uma descentralização das decisões empresariais. Poder de mercado é poder dentro do mercado. Para gozar de poder de mercado, o agente tem de ser dotado de algum poder econômico, que lhe confere a capacidade de influir nas condições fálicas da concorrência, o que pode gerar conflitos jurídicos. Esta capacidade também confere a possibilidade de não se submeter às regras da ordem econômica. A noção de poder econômico, portanto, assinala, de um lado, um fenômeno da realidade, objeto de limitações jurídicas, mas também uma situação jurídica de tolerância, base para a configuração de um direito de concorrer. Em si, o poder econômico não é ainda um direito subjetivo, mas uma situação admitida ou permitida negativamente, isto é, permitida na medida em que não é proibida (mas não permitida positivamente, isto é, autorizada por normas permissivas expressas).

Na medida em que é permitido negativamente (situação jurídica de tolerância), o poder econômico goza de uma certa legitimidade a contrario sensu, isto é, não pode ser limitado pelo Poder Público salvo se abusivo. Ou seja, quando desta tolerância indiretamente legitimadora se abusa, constitui-se a infração contra a Ordem Econômica concorrencial, por um desvio no exercício do direito de concorrer do qual o poder econômico é base jurídica e de fato.

Distinguem-se, assim, em tese, duas hipóteses de ação econômica, ambas capazes de gerar responsabilidade do agente por danos: a esfera da ilicitude per se e a esfera da abusividade. No primeiro caso ocorre a transgressão de limites estabelecidos em lei. No segundo, o agente obedece os limites objetivos do preceito legal mas fere ostensivamente a destinação do direito, o espírito da instituição da concorrência.

A determinação constitucional de que a lei puna o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário de lucros enquadra a legislação antitruste brasileira na segunda hipótese. Isto é, cabe à lei concorrencial reprimir o abuso do poder econômico, isto é, reprimir os desvios no exercício do direito de concorrência, mas não lhe cabe reprimir práticas concorrenciais per se, não lhe cabe definir positivamente os limites do ato concorrencial, dizer o que se admite como ato concorrencial, o que caracterizaria uma intervenção indevida no domínio econômico. Por exemplo, não lhe cabe definir preços, margens de lucro, percentuais de participação no mercado etc. Mas cabe-lhe reprimir o abuso, isto é, o desvio de finalidade no exercício de um direito por meio de práticas usuais, como cláusulas contratuais de exclusividade, contratos de distribuição, aquisição de participação acionária em concorrentes etc.

3. Abuso e culpa

A noção de abusividade tem origem na teoria medieval da aemulatio, segundo a qual o ato praticado com intenção maligna de lesar e sem utilidade própria ou com uma utilidade irrisória, acarretava a responsabilidade do agente. Assim, num primeiro sentido, abusividade tem a ver com "animus aemulandi", isto é, com a escolha de uma possibilidade de ação, dentre outras, que é prejudicial a outrem (Código Civil da Prússia, 1794, § 36, 37). Esta noção nos conduz, modernamente, ao conceito de dolo eventual, isto é, o agente não deseja a consequência mas, dentre várias possibilidades de agir, escolhe exatamente aquela que pode provocar o resultado indesejável e não pode argüir que não sabia que este resultado poderia ocorrer. Neste sentido o referido código falava em "mal-uso da propriedade".

A questão de definir se a abusividade é absolutamente distinta da ilicitude per se é controvertida. Pode-se invocar em favor desta destinação Josserand, que declarava que o exercício de um direito não é incompatível com a noção de culpa, mas que o conceito de culpa, no caso de abuso, não é o conceito clássico, mas o moderno conceito de culpa social, ou seja, o desvio da missão social do direito (De l' esprit des droits et de leur relativité - Théorie dite de l'Abus des Droits, Paris, 1927, n° 26l). Assim, um delito econômico por exemplo, em termos de uma lei penal econômica, seria uma violação de uma obrigação preexistente, legal ou convencional. No abuso do poder econômico não há tal violação, pois o agente pratica seus atos nos limites objetivos da norma legal, conforme o seu direito concorrencial: sua estratégia está dentro de suas prerrogativas. A noção de abuso de poder econômico tem seu domínio fora das obrigações, num âmbito diverso do delito ou do quase-delito. A infração contra a ordem econômica, em termos de uma legislação antitruste, é por abuso de um poder legítimo não por um ato ilícito per se ou por tipos ilícitos de ação concorrencial.

Neste ponto deve ser colocada afinal a questão da culpa. O texto do art. 20 da Lei n° 8.884/94 admite a infração "independentemente de culpa". Pondo-se de lado o problema da constitucionalidade do dispositivo em face do disposto no § 4º do art. 174 da C. F., é preciso entender o sentido daquela disposição. Na verdade, o ato abusivo é distinto do ato simplesmente culposo. Conforme a noção clássica de culpa, a ação ou omissão negligente ou imprudente que a caracteriza, é violação de obrigação legal preexistente. Já a ação (ou omissão) abusiva é apenas a violação da finalidade do direito, sem que, necessariamente, o agente transgrida aqueles limites objetivos legais. Nestes termos a Lei da Livre Concorrência estipula, exemplificadamente, uma série de práticas, muitas legítimas e apenas algumas consideradas ilícitas (mas no contexto de outras leis), que caracterizarão inflação contra a ordem econômica "na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos", vale dizer, na medida em que produzam ou possam produzir efeitos que fazem dos atos práticas abusivas, ao teor do texto constitucional.

Ao afirmar-se a abusividade, ou pela produção de certos efeitos, ainda que não atingidos, ou pela mera possibilidade de produzi-los, ou pelo simples fato de tê-los como objeto, independentemente de culpa, o legislador retira da noção de abuso qualquer fundamento moral. Não é a malícia do agente mas os resultados de sua estratégia que configuram o abuso. Com isso se afasta a ideia de que, na caracterização da abusividade, deveria unicamente ser provado que a intenção de lesar foi o único motivo agente. Excluem-se, portanto, como objeto da abusividade a intenção e seus derivados ou sucedâneos, como a culpa na execução (consistente em o agente ter praticado ato no exercício de um direito, sem interesse legítimo).

No lugar da culpa entra, pois, a prova do desvio de finalidade inerente à ocorrência, isto é, a ideia de que o direito de concorrência não pode ser exercido com efeitos contra a própria concorrência quando o agente formula suas estratégias no uso de seu poder econômico. Deve-se falar, nesse sentido, de uma ruptura dos interesses em jogo, sendo o ato que rompe esse equilíbrio um ato anticoncorrencial e por isso abusivo, ainda que praticado sem a intenção de lesar o direito de outrem. Deste modo, a prova da abusividade tem por princípio geral a investigação do fim econômico (e social) do direito de concorrência, ao comparar-se sua relevância com a dos interesses subjetivos opostos. Deve ser verificado se o agente econômico, adotando práticas, mesmo em condições objetivamente legais, procede de tal modo que possa atingir eleitos contrários aos protegidos pelo princípio da livre concorrência.

A noção de culpa social, capaz de caracterizar a abusividade do poder econômico e dar sentido à expressão legal "independentemente de culpa", exige, no entanto, uma consideração mais precisa.

A noção de culpa social não exclui totalmente o elemento subjetivo. O que se exclui é a intencionalidade quanto aos resultados. Com relação a estes é que se afirma a causalidade efetiva ou a mera probabilidade. Mas não se nega que o agente, ao formular estrategicamente seus atos, tenha um objetivo econômico intencional. Porém, o sentido ardiloso e, portanto, abusivo não esta na prática estratégica, mas no efeito deletério para a concorrência.

Na legislação anterior, tanto na Lei nº 4.137/62 quanto na Lei nº 8. 158/91. não foi possível falar-se em "dolo eventual" para caracterizar o abuso de poder econômico, embora, quanto à primeira, a interpretação dominante na jurisprudência do CADE tenha exigido dolo genérico.

A caracterização da infração concorrencial como dolo genérico pedia a voluntariedade do ato e consciência da antijuridicidade da conduta. Isto dificultou enormemente a aplicação da Lei nº 4.137/62. Já na Lei n° 8.158/9), o texto do caput do seu art. 3º permitiu a utilização do conceito de dolo eventual. "Neste, o agente prevê o resultado apenas como provável ou possível, mas, apesar de prevê-lo, age, aceitando o risco de produzi-lo" (Aníbal Hiuno, Direito Penal, Rio de Janeiro, 1959, vol. II, p. 73). No dolo eventual, a vontade do agente não se dirige ao resultado, mas apenas ao ato inicial, que nem sempre é ilícito, e o resultado é representado como possível, não como certo. Assim, no dolo eventual, se o ato é em si mesmo lícito, ele pode permanecer no terreno da licitude mas, por seu resultado possível, entre no terreno do ilícito. Ou, como dizia Shieber (Abusos de Poder Econômico, Suo Paulo, Revista dos Tribunais, 1966, p. 169), ainda no contexto da Lei nº 4.137/62, seria incrível que uma empresa, ao adquirir as ações de seus principais concorrentes, o fizesse sem o consentimento e a aceitação de que isto a levaria a dominar um determinado mercado.

Na Lei n2 8.884/94, a noção de culpa social tem uma certa proximidade com o dolo eventual. Mas vai além dele, o que já percebia Shieber ao dizer que, no direito concorrencial, dolo (mesmo o eventual?) teria um sentido algo diferente daquele com o qual a palavra é usada no direito penal (p. 37). Na verdade, na culpa social, os efeitos produzidos ou potencialmente produzíveis não são caracterizados pela imoralidade que está na base da antijuridicidade penal, mas, como foi dito, por serem contrários aos efeitos, protegidos pelo princípio da livre concorrência.

Nem a Constituição nem a legislação vigente definem o princípio da livre concorrência. Os economistas neoclássicos desenvolveram um célebre modelo de concorrência pura e perfeita que estabelece poderem os consumidores obter duravelmente quantidades desejáveis de um produto procurado, a preços mais baixos quanto possível (portanto a nível de custos mínimos do produção) se a) o mercado é composto de um grande numero de ofertantes e demandantes independentes, b) o produto é totalmente homogêneo, c) a entrada num e a saída de um ramo de negócio são totalmente livres, d) ofertantes e demandantes tem conhecimento exato e total das condições que governam o mercado, com a tendência de buscar seu máximo interesse e e) a obtenção do produto não provoca nenhum problema de custos de transporte (cf. Michel Glais e Philippe Laurent: Traité d´économie et du droit de la concurrence, Paris 1983, p. 8).

Na prática, este modelo se revelou de uma utilidade muito limitada. Sua superação conduziu a doutrina à chamada "concorrência praticável (workable competition -J. M. Clark).). Praticável seria a concorrência se a) um número considerável de empresas vende seus produtos perfeitamente substituíveis em uma área importante do mercado, b) há ausência de colusões entre os participantes do mercado, c) o acesso a um ramo de negocio é garantido por uma larga difusão do progresso técnico junto aos produtores potenciais.

De alguma forma, a idéia de concorrência praticável ainda se prende à doutrina neo-clássica. Já há seguidores de Schumpeter que veem na concorrência mais um meio do que um fim em si mesmo. A concorrência é um processo de luta, de competitividade rivalizante, que revela seus caracteres verdadeiros e seus efeitos definitivos a longo prazo, não devendo ser julgada por um limitado momento dado. Segue daí que o papel das autoridades concorrenciais estaria essencialmente em proteger a liberdade de iniciativa (em si criativa e desestabilizante simultaneamente), mas também a de entrar em qualquer mercado. Cabe-lhe, pois, examinar em cada caso se os acordos, os acertos, os atos em geral de poder econômico contribuem ou não para minimizar certos custos sociais provocados pelo processo de desestabilização criadora e/ou se eles permitem ou não a promoção do progresso técnico sem favorecer a criação de empresas de tal porte, capazes de limitar, por sua atuação a competitividade.

O que se observa, na verdade, é que as diferentes tentativas de se definir a concorrência não levam a nenhum consenso. Na jurisprudência alemã (cf. Immenga/Mestmacker: GWB-Kommentar zum Kartzellgeset, München, l992, p.110 )), isto levou a doutrina a afirmar que a legislação pressupõe a concorrência como um fenômeno real, mas sua determinação conceitual não contém nenhum elemento normativo. Ao contrário, qualquer tentativa de lhe definir condições, modos de atuação e efeitos corre o risco de estreitar sua aplicabilidade jurídica. Por isso, ao invés de se definir juridicamente o princípio da concorrência por uma conceituação de concorrência, a literatura tem se encaminhado para uma compreensão do princípio como uma decorrência da liberdade de iniciativa enquanto um aspecto e uma das extensões das liberdades individuais. Nesse sentido convém distinguir entre concorrência como regra do jogo de mercado, nas suas múltiplas possibilidades reais, o concorrencialidade, isto é, grau de competitividade existente num dado mercado. A concorrência é um pressuposto fenomênico, que admite vários graus de competitividade, mas que não se elimina como estrutura mesmo quando é baixa a concorrencial idade (cf. G. Sartori: Democrazia cosa è, Milano l'W, p. 221).

A partir desta distinção, o princípio da concorrência passa a ser entendido normativamente em função da competitividade inerente à livre iniciativa enquanto um direito fundamental de concorrer, isto é, de atuar criativamente no jogo do mercado livre. Isto exige, de um ponto de vista jurídico, que o chamado livre mercado seja pressuposto como uma estrutura de alternativas dinâmicas, da qual não deriva que todos os seus agentes sejam igualmente e efetivamente livres. Ou seja, uma determinada estrutura pode encorajar ou desestimular a potencialidade de livre iniciativa individual. Donde se conclui que a liberdade econômica pode estar sujeita a importantes restrições que podem tornar-se verdadeiros impedimentos. Assim, o princípio da concorrência significa, prima facie, que a potencialidade deve ser aberta, sem sentido normativo, a todos. Em si, o mercado é cego em face dos indivíduos, sendo, ao revés, um instrumento a serviço da coletividade. Por meio do mercado a sociedade impõe uma ordem à livre iniciativa. O princípio da concorrência, por seu lado, garante, em nome desta coletividade, o exercício da livre iniciativa a qual exige, como qualquer direito fundamental, o estabelecimento de seus limites que não só devem ser buscados na livre iniciativa dos outros agentes, mas também no exercício de outras liberdades, como a de consumir, a de ter acesso aos benefícios da propriedade e da produção, inclusive de respeitar o princípio constitucional da soberania (cf. Raffaella Niro, Profili Constituzionali della Disciplina Antitrust, Pádua, 1994, p. 122). Neste sentido, a Constituição (art. 170, incisos l até IX) elenca o princípio da concorrência ao lado de outros e submete a ordem econômica aos ditames da justiça social. E nestes termos deve ser entendido o poder econômico, enquanto um poder jurídico (tolerância), base do direito de concorrer, como um poder constitucionalmente legítimo, mas cuja abusividade é proscrita quando produz determinados efeitos.

Estes efeitos estão expressamente estabelecidos na Constituição. O que ocorre, na verdade, é uma espécie de presunção constitucional de que a dominação de mercado, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário de lucros são caracterizadores de um desvio de finalidade no exercício do poder econômico. Assim, demonstrada a possibilidade objetiva deste desvio (relação causal), ou porque a prática indigitada tem aqueles efeitos por objeto mesmo sem atingi-los, ou porque, visando-os como resultado, atinge-os, a infração se caracterizaria. A prova da abusividade está nessa demonstração objetiva e a defesa do agente admite a contra demonstração de que, no mérito, o desvio não estaria ocorrendo mas não de que, subjetivamente, não houve a

intenção de produzi-lo.

Em suma, para efeitos de repressão do abuso, a lei deve presumir que o poder econômico que vise à dominação de mercado, à eliminação da concorrência e aumento arbitrário de lucros é abusivo. Isto significa que, para o direito concorrencial brasileiro, a abusividade do poder econômico não é caracterizada em termos de certos atos que subjetivamente tenham determinadas finalidades, mas considera a abusividade do poder econômico como determinados estados ou modos estruturais e/ou comportamentais objetivos daquele poder, quando alcançadas por meio de ou que possam ser alcançadas por certos atos exemplificadamente discriminados em lei. Ou seja, abusivo não é o ato em si, mas o poder que o pratica de modo desviante. Assim, o ato configurará infração contra a ordem econômica se configurar ou puder provocar (potencialidade) um poder abusivo (aquele que vise a dominar mercados, a eliminar concorrência, a aumentar arbitrariamente os lucros).

Fonte: Revista de Direito Econômico – Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, n 21 – Outubro-Dezembro de 1995, _____: 1995, pp. 23-30.

(Digitalizado e conferido por Ana Paula Vendramini Segura)